18 DE FEVEREIRO DE 2023
ROTEIRO DA ESTIAGEM
O drama de quem apostou suas economias
As botas do produtor rural Vinicius Ottoni, 44 anos, pisam no solo rachado da localidade de Rincão do Bugre, em Soledade, no limite com Espumoso e Mormaço, no norte do RS. O município convive com a pouca chuva desde novembro do ano passado. Os açudes e poços artesianos da região secaram e os grãos não vingaram, enquanto os animais vagam sem encontrar pasto verde.
Em algumas propriedades, as costelas salientes do gado são um triste retrato do cenário onde a seca mata. As fissuras no chão castigado se espalham em todas as direções.
- A perda na soja ultrapassa de longe os 80%. Não sei se vou conseguir colocar colheitadeira em alguns locais, se não chover - afirma Ottoni, debaixo de sol intenso.
Ele possui uma propriedade de 300 hectares e sobrevive graças a três plantios por ano. Soja, milho e plantas forrageiras se intercalam pelas quatro estações. Há poucos animais na propriedade, o foco está na lavoura. Com as perdas, o dinheiro desapareceu junto com a chuva.
- Tínhamos gordura de outras safras e investimos toda poupança nesta. Plantamos 100% da área por nossa conta. Não temos seguro e vamos perder tudo - desabafa Ottoni.
Na última segunda-feira, quando ZH esteve na propriedade de Ottoni, o calor era abrasivo, com temperatura batendo na casa dos 40ºC nas últimas semanas. E tudo o que está plantado, sofre e definha. A escassez de alimento também assusta, mas há um fantasma maior: a falta de água.
- Estamos vindo de três anos de pouca chuva. E gastando a água do subsolo - afirma Ottoni, salientando que, em outras localidades, falta água para saciar a sede dos produtores e de suas famílias.
Emergência
Em decorrência dos efeitos da estiagem, a prefeitura decretou situação de emergência em 27 de janeiro. Entre as áreas mais castigadas estão Margem São Bento, Bugre, Pinhal e São Tomé. Conforme o secretário de Agricultura do município, Elmar Aguirre, a situação é dramática na região.
- No milho, a perda será de 70% a 80%. Estamos fazendo silagem, mas dá para contar quantos grãozinhos têm dentro das espigas. Em questão de três a quatro dias, passa de milho verde para seco - relata o titular da pasta, dizendo que, se não chover, haverá perda significativa também na soja.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Soledade e Mormaço, Alessandro de Miranda Gasparin, também prevê prejuízo robusto nesta temporada, especialmente no milho.
- As perdas são bastante consideráveis. Temos muitas propriedades produtoras de leite que perderam, além da pastagem, também o milho para a silagem - afirma Gasparin, indicando que Linha Curuçu é uma das localidades mais atingidas.
O contexto é pouco otimista para qualquer lado que se olhe na região. - Acredito que o gado de leite, que perdeu pastagens e o milho, e a cultura do próprio milho, são os mais afetados - projeta Gasparin. O engenheiro agrônomo e assistente técnico regional da Emater/RS-Ascar, Josemar Parise, que acompanha 39 municípios da região, contextualiza a situação:
- No entorno de Soledade, pela característica do solo mais raso, a situação das lavouras é muito mais severa. As folhas caem e estão com aspecto murcho em grandes áreas.
Projeções
A estimativa da Emater é de que a produção de milho, prevista em 5,1 toneladas por hectare, será, em média, 30% menor do que o esperado. Em relação à soja, em que a projeção era de 3,2 toneladas de grãos por hectare, avalia-se que será 25% menor. Esses números não parecem tão acachapantes, em um primeiro momento, por envolverem os 39 municípios da região - alguns mais e outros menos atingidos. E ainda podem variar para cima ou para baixo, de acordo com a constância da chuva nos próximos dias.
- A estiagem continua e a tendência, neste milho mais tardio, é de ampliar a perda - diz Parise.
Os tempos de olhar para o horizonte e admirar os pastos verdejantes do interior do Rio Grande do Sul ficaram no passado. A estiagem transformou a paisagem no campo. Não chove suficientemente desde novembro em algumas localidades e produtores rurais, suas famílias e animais sofrem. O drama contrasta com a esperança por reviravolta no clima, com chuva abundante e - diferentemente da registrada nos últimos dias - melhor distribuída.
Pela segunda semana consecutiva, ZH fez um roteiro por algumas das regiões gaúchas mais castigadas pela estiagem, passando por Norte, Noroeste e Missões.
Em Cruz Alta, na região Noroeste, as perdas são robustas, seja na soja, seja no milho. O produtor Osmar Schwarzbold, de 74 anos, planta culturas variadas em sua propriedade de 34 hectares, na localidade de Santa Terezinha II.
- A seca está sendo fatal. Isso que vemos é uma desgraça - declara, com a experiência de 32 anos na lavoura. Schwarzbold chegou a Cruz Alta com 40 anos de idade. Veio de Redentora, também no Noroeste, para tirar o sustento da terra. Planta milho, soja, aveia e trigo. Além disso, tem um pomar com variadas frutas. E, para completar, possui 15 gatos, galinhas, cachorro e um coelho.
- Fiquei com três vacas - relata. - Me desfiz das outras porque não tinha "boia" para dar de comer para elas.
A perda na soja será de 80% para ele. O prejuízo bate na casa dos R$ 300 mil. Em sua propriedade, havia a nascente de um córrego. Secou por completo.
Em outros municípios, o cenário é semelhante.
- Nunca vi estiagem assim - afirma o produtor Jesus Cassiano de Oliveira, de 37 anos, que planta soja e milho em uma propriedade de 110 hectares no interior de Soledade, na região Norte. - As baixas na soja passam de 60%, enquanto no milho serão de 50% - contabiliza.
Em Linha Curuçu, a situação é difícil. Nos sete hectares de terras de Adão Flores, 65, o que mais chama a atenção, além da plantação de soja prejudicada, é o açude. Tinha três metros de profundidade. Agora, secou por inteiro.
- Me criei a vida toda aqui. Nunca vi isso assim. Se chover posso recuperar um pouco, mas a perda será de 60% para cima - assusta- se, olhando para as rachaduras do solo no fundo do açude onde, antes, havia água e peixes.
"Tristeza"
Nos 120 hectares de Jaime Pastoreo, 52, as perdas na soja serão totais. Há 40 anos, ele vive do que planta na terra em Soledade.
- Tem dia que acordamos às 3h da manhã para trabalhar. E, vendo isso, dá uma tristeza - desabafa, com chapéu largo na cabeça e o olhar perdido no horizonte.
Segundo recorda, a estiagem nunca esteve tão implacável: - Meu pai tem 76 anos e diz que nunca testemunhou algo assim. A região sofre, definha e precisa de chuva. Conforme dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Soledade e Mormaço, em dezembro choveu 53 milímetros no município. Em janeiro, apenas 35.
- É uma catástrofe - resume o produtor Diego Vincenzi, 39, na localidade de Volta Alegre, em Espumoso. Ele cultiva milho e soja. - Plantamos uma área de 290 hectares. A estimativa é de perda de quase 100%. É uma estiagem jamais vista, com rios secando e peixes precisando ser retirados dos açudes - conta.
O Rio São Bento, no limite com Espumoso, está com um palmo de altura em alguns pontos. O Rio Espraiado, que abastece Soledade, também apresenta nível baixo. A situação se repete em outros lugares. Falta água, sobra esperança. Que o diga Eliane Gonsiorkiwicz, 55, de Barra do São João, no interior de Santo Ângelo, nas Missões.
- Vendia pepino e ovos antes da seca. Morreram 40 galinhas minhas de calor - lamenta, sem deixar de acreditar em dias melhores.
Prejuízo
A venda dos ovos e dos pepinos para conserva representava uma renda de R$ 500 para ela e o marido, Cesario Lucas Soleucki, 45. Perderam o dinheiro, que já era pouco, e o açude, onde os animais bebiam água, secou na propriedade de 12 hectares.
- Se não fosse meu outro emprego, estaríamos passando fome - reconhece o marido, mostrando o local onde era para haver moranguinhos vermelhos. O casal não tem seguro, nem auxílio. E ainda há outra preocupação. Os dois compraram um tratorito por empréstimo.
Até quando terão dinheiro, não sabem. A estiagem matou tudo o que havia na terras deles.
ANDRÉ MALINOSKI
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