sábado, 3 de setembro de 2011



03 de setembro de 2011 | N° 16814
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


A Legalidade e o Tradicionalismo - Final

Todas as noites o oficial-do-dia tinha que fazer o “pernoite”, uma lista com o nome dos oficiais e dos soldados que iam jantar ou dormir no QG. Sim, a coisa era organizada, não era como estância de viúva nova onde qualquer um chega e mete os beiços e entra de chapéu tapeado... Eu mesmo tinha até ajudante-de-ordens, que era Fernando Lafaiete Duarte Nahas, com posto de tenente.

Num começo de noite, o truco corria solto no “cassino dos oficiais” e o Mulato integrava a roda, com o chapéu tipo cabungo derrubado nos olhos e umas botas mais escalavradas que consciência de turco... Entrou então no cassino o tenente Badaraco, que estava de oficial-do-dia e se apresentou para mim, o oficial mais graduado no ambiente. Juntou os garrões e me perguntou:

– O senhor vai jantar no QG, capitão?

– Vou – disse eu.

Ele me conhecia bem, porque, como capitão-de-tropa, eu era superior imediato de todos os tenentes comandantes de pelotão. Vai daí ele escreveu no “pernoite”, nas respectivas colunas: Nome – Antonio Augusto Fagundes. Posto – capitão. E assim consultou mais dois oficiais presentes, até que chegou a vez do Mulato, a quem ele não conhecia.

Mas, pela pinta do índio, com o cabungo nos olhos e aquelas botas indecentes em cima da mesa e orelhando uma flor de abobra que ameaçava se cortar, tudo diante do capitão e de dois tenentes, tinha que ser um graudaço! Não podia adivinhar-lhe o posto, porque a nossa farda não tinha divisas: todo mundo usava bota preta, bombacha preta, guaiaca preta e camisa caqui. Lenço, chapéu, pala e armas, isso era ao gosto de cada um.

Então o tenente Badaraco chegou cheio de respeito do Mulato:

– O senhor vai jantar no QG...?

– Vou! – disse o Mulato, sem tirar os olhos da flor, que parecia se emendar nas pintas de um quatro de ouro.

– Seu nome, por favor...?

– Ari Fernandes Gonçalves.

– Posto, por favor...?

Aí o Mulato velho viu a coisa mal parada. Levantou timidamente os olhos das cartas e disse, num fio de voz:

– Soldado raso...

– Então tu não vai jantar coisa nenhuma! E tira esses pés de cima da mesa! E toma posição de sentido na minha frente!

Foi preciso a nossa interferência, porque senão o Mulato saia dali preso e nós perderíamos o parceiro de truco...

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