sexta-feira, 6 de março de 2009



06 de março de 2009
N° 15899 - PAULO SANT’ANA


O voto vencido

Sei que esta coluna é um canhão. E por vezes me incomoda que eu fique aqui proferindo o que julgo serem as minhas verdades sem contestação.

E, quando surge uma contestação muito bem escrita, para ser justo, sou obrigado a publicá-la.

Embora eu não concorde com ela, fará sucesso entre a maioria dos leitores. A tese é simpaticamente popular.

Ei-la:

“Prezado Sant’Ana. Ninguém duvida: és um emotivo e facilmente te apaixonas pelas causas que envolvem coitadinhos.

Emocionas-te com os patéticos simulacros circenses exibidos por crianças nas esquinas da Av. Ipiranga. Emocionas-te com quase tudo, aliás.

Razão e emoção dificilmente andam juntas. “Nem um só inocente deve estar preso”, como dizes, é expressão que remete ao “óbvio ululante” de Nelson Rodrigues, com cheirinhos de fundo das platitudes do Conselheiro Acácio.

Usaste as estatísticas da prisão provisória como argumento para a tese que de imediato caiu no gosto dos marcos rolins da vida, os ditos humanistas, que em nome do Humanismo imaginam recuperáveis todos os criminosos, desde que recebam amor e oportunidade.

Muitos desses 189 mil são inocentes. Muitos? Alguns? Quantos?

Ninguém sabe.

Se for um só, está justificada moral e eticamente a libertação de todos, pois a pesadíssima colocação de Beccaria nos aponta dedos acusadores.

Penso, respeitosamente, que te emocionaste com o destino desses infelizes, apodrecendo nas masmorras à espera de uma Justiça que tarda, e por essa razão deixa de ser justiça. E chamam isso de prisão provisória...

E daí, meu caro Sant’Ana? O que isso tem a ver com aquilo que entendo ser a formalização da impunidade, escancarada pelo voto daqueles cidadãos que, togados, colocam sua opinião acima do próprio bom senso?

Nada, Sant’Ana, absolutamente nada!

Não se trata de prisão temporária, meu caro Sant’Ana, mas de condenados por juízes e desembargadores. Condenação muito sofrida e trabalhosa, conseguida com sacrifício apesar de todas as chicanas, esses repugnantes artifícios para escrutar as leis e nelas encontrar portas de saída para os celerados. Como tu, Sant’Ana, sinto-me mal, sinto náusea, muita náusea, cujo motivo vai muito além das estatísticas da prisão provisória.

O que enoja é ver aqueles togados, em nome da presunção de inocência, determinar que se mantenham em liberdade indivíduos que estupram e engravidam menininhas de nove anos e, no intermezzo, aproveitam o tempo para estuprar a irmã de 14 anos, deficiente.

O que me provoca engulhos é ver o jornalista Pimenta, assassino condenado pela morte premeditada da srta. Gomide, ainda estar em liberdade, e assim vai se manter até que a pena prescreva. Agora, mais do que nunca, com a prestimosa ajuda do Supremo. Se for súmula, não entendo muito disso, a decisão deveria se chamar Súmula Pimenta...

Cento e oitenta e nove mil presos. Alguns inocentes...

Cento e oitenta e nove mil menininhas estupradas... ou 18 mil... ou 1,8 mil... todas absolutamente inocentes!

Uso tua frase, ligeiramente adaptada. Como então indenizá-las, não na reputação, mas pela inocência despedaçada? O que dizer aos pais, avós, vizinhos, coleguinhas de escola?

Para com isso, Sant’Ana!

Libertar preso provisório é necessário, pois sempre haverá algum inocente entre eles.

Agora, Sant’Ana, não usa tal argumento, por favor, para defender essa sandice do Supremo.

Sentenças de segundo grau não foram proferidas à toa. Se algum chicaneiro esperto, alugado a peso de ouro, levar o caso para os tribunais superiores, usando o recurso como medida protelatória da execução da sentença, isso será feito para manter em liberdade o facínora, até que a pena prescreva, em função da morosidade da apreciação dos recursos e dos recursos sobre recursos.

Sabe como é, uma testemunha que conhece o réu e falaria bem dele no tribunal mudou-se para Quixeramobim, no Ceará, não foi ouvida, e isso prejudicou a defesa do réu...

E nunca faltará um juiz bonzinho, daqueles alternativos, de preferência, que aceitará o argumento, para que o processo não seja maculado pelo cerceamento de defesa. E conceda-se o habeas... muito apropriadamente ad nauseam.

Da minha parte, sou também um emotivo. Se familiar da srta. Gomide, já teria executado o tal jornalista Pimenta. Em público, 47 testemunhas, fora os registros em vídeo.

Depois, ora, Sant’Ana, depois eu contrataria o advogado do jornalista Pimenta, momentaneamente desocupado em função do falecimento súbito do cliente.

Viva a legislação do crime hediondo!

Abaixo a prescrição de qualquer crime, porta aberta da impunidade!

Que as instâncias de crime se reduzam a duas!

Que o Supremo vá tratar da Constituição e não se meta a julgar qualquer processo que lá chegue!

Que se descontem do salário dos juízes e dos promotores as indenizações a serem pagas em função de sentenças condenatórias de inocentes.

E, se tempo houver, para alguns casos especialmente hediondos, que se recupere dos desvãos escuros do passado a Lex Talionis.

Aplicá-la em Brasília, aliás, poderia ser muito, muito interessante.

Com um abraço do seu delirante leitor, (ass.) Milton Cavalheiro Mendes, Av. Sinimbu, 129 ap. 302, fones 3331-1309 e 9966-2430”.

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