Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sexta-feira, 6 de março de 2009
06 de março de 2009
N° 15899 - DAVID COIMBRA
Com um revólver na testa
A Loraine Chaves trabalha na Redação da Zero Hora, e semanas atrás teve um cano de revólver encostado em sua testa. Chegava em casa, no comportado bairro do Menino Deus, sob o sol alto das 16h45min. Constatou que havia esquecido o controle remoto da garagem. Desceu do carro a fim de chamar alguém que lhe abrisse o portão.
E então dois homens surgiram de algum lugar.
Um deles empunhava um .38 cano longo, que logo foi acoplado entre os olhos claros da Loraine. Ordenou que lhe passasse a chave do carro. Ela obedeceu de pronto. A essa altura, o outro homem já se acomodara no banco do carona.
Loraine permaneceu perplexa no portão de casa, esperando que eles se fossem, mas o primeiro ladrão, agora atrás do volante, enfiou a cabeça e o braço esquerdo janela afora e apontou a arma mais uma vez para ela. Não sabia engatar a marcha ré. Perguntou como.
Então se deu um momento de, no mínimo, muita aflição. Loraine teve de proceder da seguinte forma: meteu meio corpo para dentro do carro, pela janela do motorista. Ficou debruçada sobre o ladrão, ele com o revólver em punho, o cano que antes ela sentira sobre a pele da testa agora lhe pressionando o estômago.
Nessa posição, ela levou a mão à palanca de mudanças e engatou a ré. Em seguida, antes que eles saíssem, teve sangue frio para pedir que lhes dessem a bolsa, que repousava no banco de trás. O bandido no banco do carona girou o corpo, estendeu o braço, tomou a bolsa e atirou-a pela janela.
Quatro horas depois, o carro foi encontrado. Kadão, o marido da Loraine, que também trabalha na Zero, foi ao depósito do Detran. Como era a noite de sexta-feira, só pôde ver o carro, e não levá-lo.
Mas, com uma lanterna, o inspecionou diligentemente. Ficou satisfeito: estava tudo em ordem, os ladrões não haviam mexido em nada. Depois do fim de semana, ao buscar o carro no mesmo depósito, surpresa: a fiação elétrica fora cortada para que o som e o rádio fossem removidos.
Uma história trivial. Deve acontecer todos os dias na cidade. Alguém inclusive pode me criticar por estar escrevendo a respeito.
É justamente por isso que escrevo.
Porque não é algo trivial. É um escândalo. Um escândalo que começa no assalto: o Estado devia proporcionar segurança à Loraine, e não proporciona. Continua no depósito do Detran: o carro estava sob a custódia do Estado, e foi arrombado e roubado.
Segue com as consequências do roubo: ainda que a Justiça indenize a Loraine, o funcionário ladrão não será punido, e continuará agindo. Não termina aí, porque o funcionário só roubou o som do carro para vendê-lo a um receptador, que o revenderá a um cidadão contribuinte e trabalhador que teve o seu som roubado e que, ao comprar produto de roubo, retroalimentará a roubalheira. E esse não é o final da sacanagem.
O final é o que disse lá em cima: as pessoas acham que isso é trivial, que é desimportante. E, assim, crianças esmolando nas esquinas é um fato trivial; logo, é desimportante. Um marginal espancado quase até a morte por outros marginais também é trivial; também é desimportante.
Até que ponto se estenderá o limite do trivial? Qual a extensão da fronteira do desimportante?
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