quinta-feira, 5 de março de 2009


ROSELY SAYÃO

O papel dos avós

[...] AO ASSUMIREM A RESPONSABILIDADE PELOS NETOS, OS AVÓS CONSEGUEM MANTER OS FILHOS ADULTOS SOB SUA DEPENDÊNCIA

Quando posso observar as relações familiares no espaço público, não perco a chance. Aliás, como a distinção entre o público e o privado está bem tênue, vê-se cenas que antes não se via.

Ultimamente, meu olhar tem se dirigido à relação de avós e netos, uma novidade do mundo contemporâneo. Ambos os papéis mudaram muito na atualidade, e tem crescido o número de crianças e jovens que se relacionam cotidianamente com os avós, fato raro décadas atrás.

Por sinal, um fenômeno interessante ocorre concomitantemente: com a diminuição do número de filhos e o aumento da longevidade, temos hoje, com frequência, mais avós do que netos -o que interfere nas relações entre eles. Afinal: qual o papel dos avós na atualidade?

É expressivo o número de avós, de todas as classes sociais, que assumiram o processo educativo dos netos, junto com a responsabilidade pelo sustento deles ou não.

Muitas mulheres deixam o filho com os avós enquanto cumprem sua jornada de trabalho -por razões econômicas ou por escolha-, e isso tem gerado inúmeros conflitos de geração. Outros pais, dedicados em demasia à própria vida, abandonam seus filhos e os deixam com seus pais enquanto se divertem em festas, viagens etc.

Uma questão importante a ressaltar é que, ao assumirem a responsabilidade pelos netos, os avós -notadamente as avós- conseguem manter, de modo sutil ou escancarado, os filhos adultos sob sua dependência.

E, como para tornar-se mãe ou pai é decisivo deixar de ocupar o papel de filho/a, isso colabora para que as relações entre as três gerações se tornem mais complexas ainda.

Não podemos esquecer também que muitos pais, hoje, estão muito comprometidos com a parte operacional da formação dos filhos. Boa parte de seu tempo e disponibilidade é dedicada a escolher os cursos e a escola que irão frequentar e ao acompanhamento dos estudos, dos compromissos sociais dos filhos etc.

Tanto empenho tem seu preço: a parte afetiva nas relações com os filhos tem sido bem prejudicada. Em falta, eu diria. E, na busca de um porto seguro afetivo, é muitas vezes nas relações com os avós que crianças e adolescentes têm encontrado o lenitivo necessário quando enfrentam as inevitáveis vicissitudes da vida.

É importante que lembremos que as relações entre avós e netos não são naturais, são construídas. Nossa responsabilidade é grande porque estamos criando uma cultura nesse campo, já que o modelo antigo não faz mais tanto sentido.

A questão que mais nos importa é: que papel a geração intermediária entre avós e netos quer exercer nessa criação?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

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