quinta-feira, 5 de março de 2009



05 de março de 2009
N° 15898 - LETICIA WIERZCHOWSKI


Outro interlúdio botânico

Faz já bastante tempo, falei aqui que tenho um jardinzinho na minha casa de praia, e que nesse pequeno regaço cultivamos rosas. Disse também que esse pedaço de terra, mesmo diminuto em comparação com os belos e amplos jardins de outrora, ocupa um grande espaço no meu coração.

Gosto de sentar sob uma das árvores, ouvindo o chilrear dos passarinhos que nelas vivem, gosto de ler um bom livro com as nuvens passando lá em cima no céu, ao gosto do vento que sopra amíude por estas bandas. Mas o que eu gosto mais, de todas as coisas que gosto no meu jardim, são as rosas.

Pois nesse pequeno jardim temos uma porção de roseiras, e no verão elas costumam florescer em profusão atarantando os olhos alheios com a mistura das suas cores - rosas vermelhas, brancas, alaranjadas e rosas cor-de-rosa combinam-se fortuitamente nos canteiros.

Mas, nesse verão, sucedeu-nos uma coisa estranha. Aliás, sucedeu a elas, às rosas, essa triste raridade: elas não floriram. Ficaram quietos os nossos canteiros, e, onde outrora havia pétalas e uma algaravia de cores, nesse verão estavam apenas as folhas, os espinhos, e uns raros e corajosos botões que se abriam fulgazmente ante nossos olhos famintos.

Pranteei-lhes a ausência durante esses dois meses e, por fim, conformei-me com isso. Foi a seca, disse-nos o nosso laborioso jardineiro, foi a seca que apagou as rosas, não somente do nosso jardim, mas de todos os jardins da região.

Porque não basta regar os roseirais com esses modernos sprinklers, não me perguntem o motivo. As outras flores, apesar da prolongada falta de chuva da primavera e dos primeiros tempos de verão, as outras flores vieram. Mas a alma das rosas é mais tortuosa, quando alguma coisa no seu diminuto equilíbrio se desconforma, elas se ausentam.

E mesmo os esforços múltiplos do nosso jardineiro, que deve ter andado por aí, de roseiral em roseiral, atarantado como um médico durante um surto de alguma doença de temporada, mesmo esses esforços em nada deram.

Ficou um vazio verde onde outrora havia a cor e a delicadeza dos botões. As rosas não falam, já disse Cartola, mas que faltam elas nos fizeram. Os dias de céu azul não foram os mesmos sem elas.

P.S.: Três semanas atrás, escrevi sobre um livro que li em espanhol, La Maleta de Mi Padre. Peço desculpas porque aqui em ZH o título saiu A Maleta de Mi Padre.

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