quinta-feira, 5 de março de 2009



IDEOLOGIA CONTRA IDEOLOGIA

Quem é mais ideológico: Hugo Chávez ou a revista Veja? Evo Morales ou o jornal Estado de S. Paulo? As Farc ou O Globo? Nos três casos, o mais razoável é cravar empate. Numa competição brasileira, há uma hierarquia clara: Veja, Estadão, O Globo.

A diferença pode ser revelada com uma analogia vagabunda: o ideologismo de Veja é pornográfico, o do Estadão, obsceno, já O Globo coloca uma faixa preta em cima das partes pudendas dos seus comportamentos ideológicos mais explícitos. Nossos três veículos ultraconservadores adoram chamar de ideológicos somente os posicionamentos dos seus adversários. Por que mesmo? É uma guerra de comunicação.

A direita conseguiu vencer muitas batalhas colocando etiquetas nos esquerdistas: xiitas, fundamentalistas, fanáticos. Nem sempre errou. Os mesmos termos, porém, sempre puderam ser aplicados aos defensores do neoliberalismo cuja ideologia era a autorregulamentação do mercado. Parte da mídia se deixou convencer por um estratagema da direita: a fala mansa, com voz de motivador ou de palestrante de autoajuda, confundida com ponderação e equilíbrio.

Primeiro a direita disse que não existiam mais esquerda e direita, aproveitando para bater nessa esquerda que estaria mais morta do que um cachorro. Essa é uma ideia claramente de direita. Depois se apropriou da palavra ideológico como categoria de acusação. Ideologia agora é toda ideia que contrarie os meus interesses. Se concordo, não é ideologia.

Somente a esquerda praticaria atos ideológicos. Professores fazem greve em defesa do piso: ideologia. Cria-se a política de cotas nas universidades: ideologia. Qualquer insatisfação organizada contra a ordem vigente é imediatamente rotulada de 'ideológica'. Para a direita, só a esquerda age ideologicamente. Sempre que um representante de direita ataca alguém por 'ideologismo', embora se imagine neutro, imparcial e pragmático, está babando e cuspindo ideologia.

As pessoas mais ideológicas que conheço são aquelas que vociferam contra o ideologismo de outros uma dúzia de vezes por dia. Por ideologia entende-se a defesa de algo irrealizável ou até nefasto, contrariando a realidade, a racionalidade ou os interesses gerais, por apego a um conjunto de ideias abstratas e dogmáticas. É exatamente o caso, com frequência, dos que criticam os 'ideológicos'.

Ideológica é sempre a postura do outro. Jamais a nossa. Muitos não têm consciência objetiva do quanto são ideológicas as suas manifestações. Isso vale para esquerda e direita. Outros, no entanto, agem de má-fé. Isso também vale para esquerda e direita. A mídia brasileira, de maneira geral, cada vez mais conservadora, incorporou a estratégia da direita de que ideológicas são exclusivamente as posturas da esquerda.

Qual governo gaúcho foi mais (ou menos) ideológico, o de Olívio Dutra ou o de Antonio Britto, o do socialista que mandou a Ford embora ou o do neoliberal que queria vender até as calças do Estado e acreditava piamente nas virtudes totais da privatização e no mercado soberano? É próprio do ideológico se achar mais moderno, racional e eficiente que os outros.

Quem é mais ideológico, um sociólogo militante de uma ONG, com sua bolsa a tiracolo, ou um publicitário que acredita na racionalidade moderna de andar sempre de preto e na relevância espetacular de só dar ao público o que ele pede? Os partidos políticos têm outra lógica. Não são ideológicos. Mas fisiológicos.

juremir@correiodopovo.com.br

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