22 DE JULHO DE 2022
CAPA
Três casais em conflito
Com o uso de ironia, espetáculo "Teatro para Pássaros" debate a relação entre fazer artístico e idealismo
Em uma madrugada atravessada por uma fatalidade, três casais estão reunidos em um pequeno apartamento. Todos têm envolvimento com o meio artístico. Em meio a cicatrizes do passado sendo abertas, há a ideia de uma peça a ser desenvolvida. Esse espetáculo que está sendo planejado é o próprio Teatro para Pássaros, que estreia com sessões hoje e amanhã, às 20h, no Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Av. Independência, 75), na Capital. Os ingressos, a R$ 50, estão à venda em sympla.com.br.
Dirigida por Breno Ketzer Saul, a montagem tem dramaturgia do argentino Daniel Veronese. Em 2015, o encenador apresentou do mesmo autor Formas de Falar das Mães dos Mineiros Enquanto Esperam que seus Filhos Saiam à Superfície.
Teatro para Pássaros tem como ponto de partida o interesse de Ketzer pela obra do dramaturgo portenho. O diretor cultiva um apreço pelo novo teatro argentino e gosta de ir a Buenos Aires para visitar os teatros da cidade. Em relação à obra de Veronese, destaca que é uma dramaturgia que coloca os atores em evidência.
- Ele é ator, diretor e bonequeiro (trabalha com teatro de bonecos). Tem uma intimidade muito grande com a encenação. Traz uma fala do cotidiano, espelhando a lógica e a falta de lógica que temos nos diálogos do dia a dia.
Com elenco que inclui nomes experientes dos palcos gaúchos, a peça apresenta um encontro de amigos no qual se discute um projeto teatral. A dona do apartamento, Teresa (Áurea Baptista), elaborou uma peça e quer que seu ex, Toni (Evandro Soldatelli), a produza. Ele é um realizador de grandes espetáculos comerciais, como musicais e séries de TV, mas com um gosto especial por comédias baratas.
Marcos (Vinícius Petry) é o atual marido de Teresa, que antes era casado com Yasmin (Raquel Zepka) - agora, mulher de Toni. Os dois tiveram uma desavença catastrófica no passado. Também há o casal formado por Rick (Dionísio Farias) e Glória (Carla Cassapo), que estão prestes a se separar e entram em discussões a todo instante.
Mortos
Como se não bastasse essa reunião marcada pela incomunicabilidade e por conflitos (mas com muita ironia), há do lado de fora do prédio um corpo morto, estirado na calçada, que teria caído do 12º andar. É o segundo porteiro do condomínio que morre em 24 horas. Essas mortes se entrelaçam com a tensão permanente no encontro no apartamento.
- O texto de Veronese é instigante por si só - afirma Áurea. - Quando a gente começou a montagem, se deu por conta da quantidade de camadas que as relações acabam estabelecendo.
Em um exercício de metalinguagem, a peça que a personagem de Teresa está desenvolvendo é a própria Teatro para Pássaros a que o público está assistindo. É o teatro dentro do teatro.
Ketzer ressalta que a montagem toca em temas como o idealismo e fala sobre pessoas que querem fazer de sua vida um espetáculo, como Toni. Aliás, Soldatelli descreve seu personagem como um "sujeito triste e patético", que usa o prestígio como empresário para exercer uma espécie de poder e atrair a admiração dos artistas que correm atrás de verba para montar seus espetáculos.
- É um sujeito que se deu bem como empresário, mas que na verdade gostaria de ser artista - avalia Soldatelli. - Uma pessoa medíocre e frustrada, que tem prazer em humilhar os artistas que não abandonaram seus ideais, apesar de toda a dificuldade.
Embora a conversa seja sobre as artes da cena, Ketzer reforça que Teatro para Pássaros fala também sobre ceder, o que pode acontecer em qualquer área profissional.
- Como o esforço talvez não seja suficiente para você galgar certos espaços na carreira, talvez tenha que se submeter a várias frustrações na vida. Você cede porque tem que ganhar dinheiro. A peça fala sobre esse embate de quem defende os ideais e quem age como sendo um bom negócio, como forma de ganhar dinheiro e se projetar - conclui o diretor.
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