30 DE JULHO DE 2022
FRANCISCO MARSHALL
O DEUS DOS VIGARISTAS
Certa feita, um historiador metido a astuto e bastante ateu desafiou seu amigo filósofo e de passado jesuíta com solerte pergunta: "Queres que te prove que deus não existe?". Seguro de possuir o argumento imbatível, naquele simpósio nos altos da Rua Botafogo, ele ouviu do megasábio Carlos Roberto Cirne Lima a singela resposta: "Não precisas, é muito simples: deus é apenas uma palavra". Era exatamente este o ardil pensado e desarmado. Uma palavra e seus atributos, ou um significante e seus significados. Logo, a questão: o que pode significar a palavra deus? O que é deus para mim, para ti, para o estudioso, o teólogo, o crente, o fanático e o oportunista? Deus, para a história ou para a política, que significa?
Há um oceano de respostas a essa questão, e estas incluem o reconhecimento de que uma ficção cultural pode promover virtudes - como o faz a arte, ainda melhor do que a religião. Há, ademais, sentimentos piedosos, que não são exclusivos da religião. O melhor clamor do ateísmo é o mesmo do Iluminismo, de religiosos esclarecidos e da concepção do Estado moderno: religião? Que cada um siga a sua, ou nenhuma, como lhe convier, pois isso não é assunto de autoridade pública, é opção individual ou de confrarias, como o sexo ou o corte de cabelos.
O Estado laico não nega a religião, apenas isola e tenta eliminar ameaça que sabemos ser letal para a liberdade de todos, a teocracia. Pois se entendermos, com Richard Dawkins (1993), que a religião é um vírus, que se aproveita de fragilidades da mente e da sociedade para impor seu jugo e realizar sua próprias finalidades, crescer e dominar, veremos que a forma mais letal e monstruosa desse agressor é exatamente aquela com que se inaugurou o Estado, há mais de 5.171 anos, e, com ele, a parceria entre guerreiros (militares) e religiosos: a teocracia. A religião não é natural, mas sim instituição nascida com o Estado e que amplia seu poder quanto mais autoritário o regime for. Eis a principal característica do deus dos vigaristas: quer o Estado em seu proveito, poder, riqueza e facilidades mil, enganando e abusando.
As religiões pentecostais tornaram-se correagentes da barbárie neste país. São cultos religiosos sem qualquer qualidade teológica, professados por oportunistas geralmente muito ignorantes, que abusam da credulidade da gente humilde e a explora sem pudor. Um punhado de cadeiras de praia, um babaca de gravata abrindo a Bíblia e a comentando com voz empostada valem um ninho de poder e enriquecimento, que as grandes empresas do ramo levaram a graus escandalosos. A religião-vírus assumiu então sua pior forma, devastadora, abusando de mentes frágeis e granjeando poder e riqueza absurdos. Vigaristas com deus na boca. Ademais, pseudopatriotas cevados em cacoetes anacrônicos e desrespeitosos.
Mais do que ateus, religiosos com caráter devem sentir nojo desses vigários venais e vis e da primeira dama teocrática e seu marido, pródigos no que há de pior, especialmente a vigarice teocrática. Mas logo as urnas decretarão também, com vox populi, vox dei, o retorno ao Estado laico.
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