segunda-feira, 11 de julho de 2022


11 DE JULHO DE 2022
Rafael Vigna

INFRAESTRUTURA NO RIO GRANDE DO SUL

INFRAESTRUTURA NO RIO GRANDE DO SUL

infraestrutura no Rio grande do sul

Malha de ferrovias no Estado perde metade de sua extensão

RS espera por definições sobre concessão enquanto amarga a redução de 1,5 mil quilômetros de trilhos desde 1997

Em meio à crise dos combustíveis, os fretes rodoviários subiram 25% em 2022, na média apurada pelas principais entidades da área no Estado, o que diminui a competitividade do setor produtivo e afeta em cheio o bolso e o consumo das famílias. No país, mas, sobretudo, no Rio Grande do Sul, existe um modal adormecido - abandonado, segundo afirmam alguns especialistas - com potencial para virar esse jogo, elevar a atratividade dos produtos locais e estancar uma ferida que deixa escorrer pelas estradas, a cada ano, cerca de R$ 125,3 bilhões, ou o equivalente a 21,5% do Produto Interno Bruto gaúcho, segundo aponta a Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura (Camaralog).

Trata-se da ferrovia, que, contrariando expectativas, em vez de ser ampliada com investimentos, diminui de tamanho com o passar do tempo. Ao longo de 25 anos de concessão, a malha gaúcha perdeu 1,5 mil quilômetros de extensão. Dos 3,15 mil quilômetros ativos em 1997 (início do contrato atual), restaram só 1,65 mil quilômetros - ou seja, praticamente a metade do traçado foi suspensa.

Os dados foram atualizados, a pedido de Zero Hora, pelo engenheiro e consultor logístico Daniel Lena Souto, que atuou por mais de três décadas na antiga linha (pertencente então à Rede Ferroviária Federal), foi diretor da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) e secretário substituto de Transportes do RS. Também é o autor do mesmo levantamento, em 2014, no lançamento do mais amplo e recente estudo dos gargalos logísticos do RS, o Plano Estadual de Logística e Transportes (Pelt).

Oito anos atrás, o projeto indicava a desativação de mil quilômetros de trilhos. Ao analisar o comparativo dos mapas de antes e agora (veja na página ao lado), percebe- se que toda a fatia oeste, uma das principais fronteiras agrícolas gaúchas, teve sua malha desmantelada. Perguntada sobre os motivos, a empresa concessionária Rumo SA, por nota, considerou que "alguns trechos já não apresentavam viabilidade de carga na época, mas eram subsidiados devido ao viés social".

O texto aponta que outro fator foi a "migração da carga e a consequente inviabilidade de linhas", e diz que "a reativação ou a devolução será tratada no processo de renovação antecipada da concessão".

A empresa é detentora de 7,2 mil quilômetros na chamada Malha Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo) e afirma que, no ano passado, movimentou 3 milhões de toneladas de soja, milho, farelo e trigo no RS - isso equivale a cerca de 9% das 33,2 milhões de toneladas colhidas na safra gaúcha 2020/2021 -, e superou em 2 milhões de toneladas o movimento de 2020. Também exalta o transporte de combustíveis e fertilizantes, mas não apresenta balanço para esses itens.

Corredor

Conforme o comunicado, as regiões Noroeste e Centro-Ocidental representam mais de 90% do total de cargas transportadas. Em relação a Cruz Alta, o município foi responsável por 59% do total de produtos agrícolas movimentados em 2021, com tempo médio de 38 horas até o porto de Rio Grande, neste que, hoje, é o principal corredor ferroviário do Estado.

Souto lembra que a concessão exigia apenas que se aumentasse o volume de carga transportada e diminuísse o número de acidentes. Ele explica que a meta é atingida com a paralisação de trechos e concentração em locais de maior quantidade de embarques. Mas, o principal, conforme o engenheiro, é a abrangência global da outorga (quatro Estados) e a opção por pontos considerados mais "interessantes".

- A Rumo pode realizar aportes no Paraná, ou em São Paulo, em detrimento do RS, e no total anual, apresentar dados ampliados, muito embora diminua sistematicamente a sua participação aqui - analisa.

Nesse contexto, uma das alternativas criadas recentemente, no âmbito do Pro Trilhos (marco regulatório do setor), é a possibilidade de outorga da construção de ferrovias por meio de uma autorização, sem necessidade de licitação. O modelo, semelhante ao que ocorre em setores como telecomunicações, portuário e aeroportuário, permite que empresas privadas busquem operar em trechos hoje desativados e até mesmo estruturar traçados.

De fato, em paralelo à espera pela renovação da Malha Sul, a concessionária tem sido ativa nos pedidos de autorização para a exploração e elaboração de linhas ferroviárias, via autorização. Ao todo, o portal de transparência do Ministério da Infraestrutura lista nove solicitações em nome da Rumo SA.

Juntos, somam 3,3 mil quilômetros de extensão e R$ 32,3 bilhões em investimento. A maioria dos traçados pretendidos, em diversas fases de análise pelos órgãos competentes, está concentrada em Mato Grosso, mas também contempla São Paulo, Minas Gerais, Tocantins e Bahia. Nenhum dos projetos prevê aportes em novos trilhos no Rio Grande do Sul.

- Precisamos de mobilização para cobrar a modernização e trens com alta capacidade. O problema é que até hoje não se consegue extrair nem que seja uma promessa de investimento e nada que vá além de dizerem (concessionária) que estão estudando. Sabemos que a parte mais rentável é a de São Paulo e, sem cobrança, o RS ficará para trás, pois deverá receber fatias menores de aportes - diz Souto.

Incerteza e insatisfação em meio a pedido de renovação

Com cerca de 22% dos 7,2 mil quilômetros distribuídos pelos quatro Estados que formam a Malha Sul, o setor produtivo gaúcho foi tomado por expectativas quando, em março do ano passado, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL) lançou um edital para a contratação de serviços técnicos e de análise do projeto de prorrogação antecipada da concessão ferroviária à Rumo SA. Em maio, a EPL fundiu-se, por decreto presidencial, com outra estatal, a Valec, formando a Infra SA.

Questionada pela reportagem sobre o andamento do estudo, a assessoria do órgão transferiu a demanda para o Ministério da Infraestrutura. Por nota, a pasta diz que a renovação antecipada para o trecho ferroviário da Malha Sul encontra-se em fase de elaboração do plano de negócios pela Rumo.

Conforme o texto, a prorrogação antecipada do contrato foi qualificada no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (PPI). A próxima etapa, complementa o ministério, consiste na realização da audiência pública, momento em que a sociedade pode se manifestar sobre os termos da proposta e o novo rol das obrigações contratuais.

Em comunicado, a Rumo reitera o interesse e garante que a renovação "segue como uma das prioridades dentro do plano de negócios da Companhia". A empresa acrescenta que, "internamente", avalia as alternativas para estruturar um plano de negócios que contemple tanto o aumento de capacidade da ferrovia quanto "projetos alternativos que tragam novas perspectivas para trechos que forem identificados como sem viabilidade para o transporte de cargas".

Imbróglio

Coordenador do Grupo Temático de Logística e Transporte do Coinfra da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Sérgio Luiz Klein argumenta que o imbróglio é um dos focos dos problemas. Segundo ele, antes de concluir o processo é necessário saber "exatamente" quais linhas serão mantidas e de que maneira será feita a manutenção, bem como que tipos de equipamentos estarão em operação no RS:

- Cobramos da Rumo, em razão de notícias sobre a antecipação da renovação, mas sabemos que a parte mais rentável é a de São Paulo. Por isso, nosso trabalho no RS é buscar informações e esclarecimentos sobre investimentos. Não podemos aceitar aqui equipamentos defasados.

Klein lembra que, no Estado, 88% dos transportes são rodoviários. Apenas 6% das cargas utilizam a ferrovia e o restante divide-se em hidrovias, dutovias e aerovias - todos com amplo potencial de produzirem avanços à matriz econômica, avalia.

Nesse contexto, o presidente da Camaralog, Paulo Menzel, defende que "é preciso olhar mais para a floresta do que para a árvore". O dirigente explica que é necessário construir uma renovação de contrato com novos padrões, mais modernos, e que alterem "substancialmente" o modelo hoje vigente.

Ausência de investimentos preocupa

O debate sobre a renovação do contrato (que venceria em 2027, após 30 anos de outorga), existe, explica o engenheiro Daniel Lena Souto, para antecipar investimentos necessários à modernização da Malha Sul, estimados em R$ 10 bilhões pelo governo federal. O problema é que, oito anos atrás, em 2014, por ocasião do lançamento do Plano Estadual de Logística e Transportes, a projeção de aportes necessários só na ferrovia gaúcha era avaliada em R$ 8,2 bilhões (sem juro e correção monetária) até 2024.

Ao todo, a concessão, que passa por São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, tem 16 entroncamentos e 16 pontos terminais, com quatro corredores principais e seis ramais. São 38 estações com origem de carga e 115 rotas que levam a três portos - Santos, Paranaguá e Rio Grande.

No Estado, a capacidade máxima de descarga no porto de Rio Grande, por exemplo, é dimensionada em 300 vagões por dia. Os meses com maior movimentação estão relacionados diretamente aos períodos da safra, entre março e setembro. Segundo a Rumo, as melhorias para o Estado dependem da renovação que está em fase de "Estudo da Demanda e elaboração do Caderno Operacional".

Coordenador do Grupo Temático de Logística e Transporte do Conselho de Infraestrutura (Coinfra) da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Sérgio Luiz Klein antecipa que há uma movimentação, ainda incipiente, para realizar estudo de viabilidade técnica e econômica na região de Passo Fundo. A meta seria obter uma autorização para criar um braço gaúcho em uma nova ferrovia que ligaria Maracaju, no Mato Grosso do Sul, até Cascavel e ao porto de Paranaguá, ambos no Paraná. Nesse mesmo projeto, já existe solicitação de um grupo de Santa Catarina, em análise, com o objetivo de incluir Chapecó no traçado.

- Com isso, imagina-se que segmentos da indústria da proteína, teriam interesse em agilizar o transporte de milho, insumo necessário para a ração animal e que anda escasso, em razão de uma série de fatores internos e externos, para transformá-lo em carne, seja de frango, bovina ou suína. Esse traçado ligaria o Estado à principal região produtora (Mato Grosso do Sul) - destaca.

Segundo Klein, como carga de retorno é possível pensar em algo como biodiesel, também produzido em escala na região. Mas esse e outros aspectos dependem ainda de muitos avanços.

De oficial, existe apenas um pedido de autorização com trecho gaúcho no portal de transparência do Ministério da Infraestrutura, dentro do Pró Trilho. Trata-se do traçado de 1,5 mil quilômetros, que ligaria Arroio do Sal, no litoral do RS, a Terra Roxa (PR). A análise encontra-se na fase de "compatibilidade locacional", a terceira das cinco etapas previstas antes da liberação. Questionados, os representantes do grupo no país alegaram estar em viagem e não responderam à solicitação de entrevista.

A situação

Funcionamento das ferrovias, em quilômetros

Principais ramais Em 1997 Em 2022

Porto Alegre-Uruguaiana 685 427

General Luz-Lages 394 394

S. Maria-Marcelino Ramos 510 142

Cacequi-Rio Grande 472 472

Roca Sales-Passo Fundo 157 157

Entroncamento-Livramento 156 0

Ligação Santiago-Santo Ângelo 221 0

Ramal Santa Rosa 173 53

Ramal São Borja 302 0

Ramal Industrial 8 8

Ramal Estrela 13 0

Ramal Caxias do Sul 68 0

Total 3.159 1.653

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