07 DE OUTUBRO DE 2023
MONJA COEN
NADA SAGRADO
Era uma vez um monge com mais de 60 anos de idade que fez a travessia entre a Índia e a China. O Budismo havia se expandido na China e havia muitos templos, mosteiros, monásticos, tradutores, professores e praticantes. Estamos no século 6.
Quando o monge chegou, o Imperador daquela província o convidou a visitar seu palácio. Reuniu toda aristocracia e os religiosos do Taoísmo e Confucionismo para o receber, bem como monges budistas.
De frente ao trono do Imperador, o monge foi questionado: - Tenho auxiliado na construção de templos, práticas religiosas e tradução de textos sagrados. O respeitável monge reconhece que tenho grandes méritos?
O sexagenário monge, sem titubear, respondeu secamente: - Não mérito. O Imperador se mexeu no trono e franziu a testa. Como assim? E tornou a perguntar:
- Então, o que é sagrado para o honrado monge? Ele respondeu secamente: Nada. Impaciente e furioso o imperador ainda perguntou: - Quem está à minha frente? Novamente o monge respondeu com duas palavras: - Não sei.
O monge foi convidado a sair do palácio e depois de cruzar o grande rio, foi para uma caverna nos terrenos do Monte Shaolim , onde havia um grande mosteiro budista. Por nove anos manteve-se sentado, olhando para a parede, em zazen. Os outros monásticos o chamavam de monge zen, o religioso meditador voltado para a parede.
Certa ocasião, um praticante chinês pediu para ser seu discípulo. Ficou parado na entrada da caverna por dias e noites. O monge não se virou até o dia em que o chinês, desesperado, com a neve chegando até sua cintura, tomou da espada e amputou seu braço esquerdo. Ao fazê-lo deu um grito. Com isso o monge, Bodidarma, se virou. Vermelha a neve branca. O monge reconheceu a determinação e o recebeu como discípulo.
Essa história aparece em textos clássicos do Zen Budismo.
Alguns questionam se o chinês teria realmente decepado seu braço ou se era alguém que não tinha parte do braço por alguma outra situação e razão. Mas o fato é que o primeiro monge chinês do Zen Budismo não tinha parte de um dos braços. Essa história é recontada com o intuito dos praticantes perceberem que se não houver entrega completa, determinação e esforço não seremos capazes de adentrar o grande despertar.
O Monge da história é chamado de Bodidarma e é considerado o fundador do Zen Budismo na China. Esse diálogo aponta a essência do Zen. Não fazemos o bem para obter méritos, receber elogios e medalhas - foi o primeiro impacto da resposta do monge ao imperador.
Segundo, se o sagrado está presente da menor partícula ao maior espaço é impossível separar algo e dizer "isto é sagrado". "Nada sagrado" é a visão da unidade, da não dualidade, do respeito a todos os seres e todas as formas de vida.
E a pergunta final é a que peço a todos que façam a si mesmos: "Quem está à minha frente? Quem é você?". Pergunte a si: "Quem sou eu?". Enquanto houver respostas lógicas não chegamos à essência de nós mesmos. Ainda estaremos nomeando.
Além dos nomes, dos conceitos, das ideias, habitam as pessoas sábias. Entretanto, não se compare a Bodidarma nem ao Imperador. Não imite o primeiro praticante chinês e não fira seu corpo.
Pelo contrário, cuide de si, do templo sagrado do seu organismo vivo, que depende de todos os outros seres e formas de vida. Perceba o sagrado não apenas nos textos, templos, práticas especiais - mas em tudo que é, foi e será.
Dia cinco de outubro é o dia memorial do Monge Bodidarma - esta é a minha homenagem pública de gratidão e respeito. Sem ele nós não estaríamos hoje conhecendo e praticando o Zen. Mãos em prece
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