sábado, 7 de outubro de 2023


07 DE OUTUBRO DE 2023
CARPINEJAR

Dispensando apresentações

Há uma injustiça quando você tem a trajetória profissional consolidada. Quanto maior o seu currículo, mais ele passará a ser deixado de lado. A fama desemboca na omissão. O locutor do evento apenas diz que você "dispensa apresentações", logo agora que você teria o que ostentar.

Demorou uma vida para acumular graduações e títulos, e nada mais é mencionado? A amnésia dói mais do que uma lembrança triste.

Toda a luta para alcançar excelência é subestimada. As madrugadas viradas, os estágios superados sem nenhuma compensação financeira, o despertar cedo, as viagens incansáveis, a cabeça batendo no vidro do ônibus, a falta de grana para o final de semana, a ruptura de namoros porque se entregava demais para seus deveres, os trabalhos de conclusão de curso, a criatividade para conciliar universidade e emprego viram pó.

Corta-se a biografia de sucesso pela raiz. Não restam nem folhagens. Você fica sem nada quando tem tudo para mostrar. A organização do evento se aflige ante seu histórico de cinco páginas.

Isso acontece por simpatia, para não entediar o público presente e começar logo o bem-bom de seu discurso, porém parece que você não existiu, que representa uma aposta, não uma realidade. O palestrante conhece o amargo vácuo pelo seu excesso de informações. Como sua relevância é extensa, termina resumido em uma frase ou em um sorriso desajeitado.

Eu sempre fico com cara de paisagem quando sou dispensado de apresentações. Meus 51 livros somem, meus prêmios somem, minha qualificada formação some, o tempo na docência some, a pós-graduação some, as pesquisas somem, os artigos e publicações somem, as referências elogiosas e os prefácios somem.

Torno-me um desmemoriado. Sou ninguém de novo. No momento em que posso finalmente despertar inveja, exerço uma modéstia imposta pela falta de tempo. A pressa rouba a dedicação de uma vida inteira.

Entendo a finalidade do cerimonial de não cansar os outros com detalhes técnicos e minúcias. Mas considero como um bocejo necessário antes dos aplausos. Deveria ser descrita a biografia do convidado para justificar o seu lugar ao microfone.

O mais engraçado é que, quando não havia coisa alguma para me vangloriar, no início da minha carreira, todo o currículo era lido. Nenhuma linha escapava. Ficava envergonhado pela ausência de acontecimentos, vendo-me obrigado a colocar cursos de datilografia ou de Excel para forrar os meus feitos.

Os constrangimentos no sucesso ou na estreia são, ironicamente, parecidos. O primeiro pelo intento de encurtar experiências para ganhar alguns minutos, e o segundo pela invenção delas, no costume de estendê-las para fingir importância.

Eu experimentei uma dose cavalar de humildade quando me apresentei recentemente no TEDx de São Paulo. Fui chamado para o palco com um grito de viking do mestre de cerimônias: -Venha para cá o poeta mais do que famoso: Maurício Carpinejar! Nesse caso, eu realmente dispensava apresentações.

CARPINEJAR

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