Sísifo colorado e sua maldita pedra
Sísifo é um personagem da mitologia grega que se considerava o mais esperto entre os mortais. Passou a perna na morte colocando nela um colar que era na verdade uma coleira. Desafiou e enganou os deuses e, por isso, recebeu um castigo terrível: a rotina, a repetição da infelicidade.
Ele carregava uma grande pedra montanha acima até atingir o topo, e a pedra rolava de volta. Ele descia, reiniciava tudo, voltava ao cume da montanha com a pedra, e a pedra caía outra vez. E assim permanecia em seu trabalho inútil pela existência inteira.
Inter é o mito de Sísifo. Campeonato após campeonato, experimenta o mesmo jeito humilhante de perder. Desperdiçou títulos fáceis ao longo da última década pelos seus 10 minutos finais. Dez minutos de distração. Dez minutos de desleixo. Dez minutos de ausência de foco. Dez minutos de covardia. Dez minutos em que deixa o rochedo escapar fragilmente de suas mãos.
Uma Libertadores desceu despenhadeiro abaixo, numa semifinal com o Beira-Rio lotado, por alguns ridículos e efêmeros minutos, por um apagão da desmotivação e debilidade. O Inter não cedeu apenas o empate que serviria para decidir nos pênaltis, conseguiu levar a improvável virada.
Pode-se dizer que seus jogadores estavam cansados. Mas eles não foram poupados no Brasileirão? Pode-se alegar que faltou sorte. Mas o que faltou foi competência. Tivemos 17 finalizações e criamos um gol - e o autor do gol foi um zagueiro, Mercado.
A displicência não é de agora, e sim resultado escancarado de uma temporada que vem representando uma miséria de artilharia, uma miséria de bola na rede. Exibimos até o momento o pior ataque do Campeonato Brasileiro. Em 25 rodadas, houve 20 gols, com o saldo negativo de nove gols. Existe, portanto, uma dificuldade antiga, uma regularidade na precariedade.
O que adianta ser melhor do que o adversário, acumular volume de jogo e superioridade tática, se não há coerente aproveitamento? Comparando, Fluminense na última quarta-feira teve três arremates com perigo, e alcançou dois gols.
A impressão é de que Germán Cano, autor de um gol e de uma assistência, faria todos os lances perdidos incrivelmente por Enner Valencia. Pode-se dizer que o nosso plantel é experiente, com limitação física pela idade de seus principais atacantes. Porém, do outro lado, o argentino Cano tem 35 anos. Da mesma forma, o goleiro do Fluminense, Fábio, já completou 43 anos.
Dentro de campo, a idade não pesa para Cano e Fábio, eles não relaxam nunca. Possuem uma mentalidade vencedora, o ingrediente de domínio emocional de que seriamente carecemos.
Eu fico doído com o nosso torcedor do Interior, que percorreu 500 quilômetros para apoiar a equipe no estádio. Eu fico doído pelas milhares de pessoas sem ingresso, que permaneceram na Padre Cacique em vigília.
Eu fico doído com crianças e adolescentes de até 13 anos que jamais comemoraram um título de seu clube.
Eu fico doído por mim. Por acreditar ingenuamente em meus textos de mobilização, por confiar que as minhas palavras poderiam fazer a diferença e acender nos jogadores o alerta de compromisso e seriedade, por julgar que estes entenderiam a importância de vencer para dar uma alegria a uma numerosa população vermelha um tanto sofrida.
Minha motivação e de milhões de colorados não deveria ser maior do que a do elenco. O sangue habitual da camisa não se revelou nos olhos de nossos atletas. Inter é Sísifo. Todos aguardam suas eliminações. Ele tomba sempre no finzinho, desatento com o tempo, de costas para a marcação, esnobando a morte.
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