"Tempus fugit"
Amadurecer é trocar de lugar, mudar de ponto de vista. Já começa no ônibus ou no avião. Quem é jovem prefere sentar-se perto da janela para olhar a paisagem e admirar o contexto da estrada. Cobiça a moldura arredondada de aquário do avião ou os esquadros de cortinas marrons do ônibus.
Depois dos 40 anos, você troca a aventura e a contemplação pela segurança e pela praticidade, e busca o assento no corredor. Não tem mais aquele arrebatamento das primeiras viagens. Não tem mais aquela curiosidade por tudo que nos cerca. Já sofreu na vida o suficiente para deixar de fotografar ou filmar as nuvens avermelhadas do crepúsculo ou a cidade formiguinha de cima. É precavido do seu destino, preocupado com o despojamento. Carrega uma mala cada vez menor para caber no bagageiro.
Quer ser o primeiro a sair com desembaraço, desprovido de obstáculos e barreiras. Odeia estar engaiolado, emparedado pelas pernas dos passageiros ao lado. Deseja ir ao banheiro com liberdade, sem acordar ninguém e pedir licença. A bexiga já manda no coração.
Há várias réguas de observação para se descobrir envelhecido. Por exemplo, sou escritor e vivo posando para selfies ou mandando áudios para os meus seguidores masculinos. Envergonhados, jamais assumem que gostam dos meus escritos. Sempre fazem o favor para alguém. É uma idolatria emprestada.
Antes, para justificar a aproximação, eles diziam que a sua esposa ou namorada me adoravam. Depois passaram a falar que a mãe não perdia uma de minhas crônicas. Agora já sou lembrado pelas avós que são fãs de meu trabalho.
Nem mais consulto obituários, pelo medo de perder leitores. Há lembranças em mim que estão se despedindo de seus interlocutores. Até o Google encontra dificuldades de localizá-las. A pesquisa volta em branco, deserta de referências.
Minha memória realiza os trabalhos escolares sozinha. Vem ficando fora de qualquer grupinho ou panela de modas e tendências. Tenho me tornado vintage. Utilizo caneta-tinteiro, espátula para abrir correspondência, despertador analógico, calculadora de mesa, radinho de pilha, lanterna e agenda de papel. Consulto ainda o calhamaço do dicionário, virando suas páginas fininhas de seda com receio de rasgá-las.
Sou um dos poucos que ainda mantêm ativo o espanador em casa, essa vassourinha do céu, esse penacho imprescindível das frinchas. Na hora de tirar o pó das estantes de livros, não encontro melhor aspirador. Minha esposa vive rindo de mim. Como se eu fosse de outro planeta. Como se eu fosse um objeto retrô de que as crianças chegam perto e perguntam "como funciona?".
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