sexta-feira, 31 de julho de 2015


Jaime Cimenti

Domingo de noite, segunda, perguntas, respostas, poesia


Por vezes num domingo chuvoso, frio, ventoso, bem desses de inverno gaúcho, à noite, você se sente meio triste, pensando no que fez ou deixou de fazer na semana, pensando se ama ou é amado e sai caminhando sozinho pelas calçadas vazias. Fica até pensando, por um momento, com humildade extrema, que gostaria de ser apenas o reflexo da lua que brilha na água da sarjeta e se pergunta quem realmente é, de onde veio, para onde vai e outras perguntas sem resposta.

Você sabe que aquele momento vai passar, que a hora mais escura é justamente a hora anterior ao nascimento do sol, que vai brilhar na segunda-feira, ou na terça, ou na quarta... Você tenta se acalmar e caminha mais. Vai se abrigar, quem sabe, no shopping-center vazio, na companhia dos seguranças.

Você gostaria que já fosse sexta-feira, graças a Deus. Pensa que cientistas já responderam milhões de perguntas e descobriram muitas coisas, mas ainda não revelaram quem somos, de onde viemos, para onde vamos e não criaram uma pílula da felicidade para os entardeceres de domingo.

Você sabe que filósofos, há milênios, queimam pestanas indagando profundamente sobre tudo e todos, sempre perguntando e questionando mais que respondendo, mesmo assim buscando explicações e teorias sobre os seres, os planetas e os caminhos.

Sim, domingos à noite são momentos ótimos para espiritualizações e religiões, momentos para pensar na vida e na morte, no agora e no eterno, na vaidade e na modéstia, na fé e na dúvida.

Está bem, você prefere não encucar, apenas comer um sanduíche natural, tomar um suco e um sorvete, ou traçar um churrasquinho com cerveja, assistir uma comédia leve, conversar com algum amigo, namorar, quem sabe, terminar de matar o domingo numa boa e dormir até segunda. Tudo bem, você decide. Alguns restaurantes abrem domingo à noite em Porto Alegre.

Pensando bem, melhor mesmo é pensar que quinta-feira, 30 de julho, foi o aniversário de 109 anos do Mario Quintana, nosso mais querido e maior poeta. Ciência, filosofia, história, tudo bem, mas mesmo nesse mundo high tech tem mais é que reinar a poesia.

Os poetas sempre sentiram e pensaram adiante, quase sempre foram as antenas da raça, sempre vislumbraram os mistérios e as belezas invisíveis. Sempre souberam que o coração da beleza não é coisa para nossos pobres cinco sentidos. Poetas sempre abriram as portas do infinito.

A pátina do tempo cai lentamente sobre Mario Quintana, que vai poetando cada vez melhor, assim como Carlos Gardel canta cada vez melhor. Bem escreveu Quintana, que um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente ... e não a gente a ele! A simplicidade profunda, a técnica apurada e a linguagem clara de Quintana, somadas ao lirismo e aos temas eternos, mostram que, não por acaso, caiu no gosto de gerações e gerações, passando com brilho no julgamento do tempo e dos leitores. Estes são os que realmente interessam.

A propósito...

Para permanecer absolutamente o grande imortal dos leitores, dos amantes da poesia e de outros poetas, muitos inéditos, Mario Quintana não necessitou de aprovações e títulos universitários, chancelas oficiais, honrarias públicas ou privadas ou galardões acadêmicos. Não precisou rezar em "igrejinhas literárias", bater continência em movimentos artísticos ou se tornar leitura obrigatória de estudantes. 

Para viver nos corações e nas mentes de gerações, foi (é) poeta maior e pronto. Ao resto, aos demais, escreveu, sucinto, Mario: Todos estes que aí estão / Atravancando o meu caminho/ Eles passarão/ Eu passarinho. Feliz niver, Quintana! Campai, longa vida!
Jaime Cimenti


Sombras de 1964 sobre nós

DIVULGAÇÃO/JC

Livro entende que a ditadura de 1964 estende seus tentáculos até os dias de hoje


Os jornalistas Mylton Severiano da Silva e Palmério Dória já escreveram seus nomes na história do jornalismo brasileiro como testemunhas da História. Silva trabalhou na lendária revista Realidade, extinta pelo AI5 em 1968. Dória, entre outros feitos, escreveu o único livro existente sobre o pistoleiro Alcino João do Nascimento, envolvido no polêmico "atentado da rua Toneleros", que precipitou o suicídio de Getúlio Vargas em 1954. Os dois jornalistas documentaram as eras Sarney e FHC em livros de denúncia que chocaram o País e transformaram-se em best-sellers: Honoráveis bandidos e O príncipe da privataria.

Golpe de estado - O espírito e a herança de 1964 ainda ameaçam o Brasil (Geração Editorial, 264 páginas), nova obra dos dois jornalistas, lançada há poucos dias, entende que a ditadura de 1964 estende seus tentáculos até os dias de hoje, quando parte da população, insuflada pela mídia, bate panelas e desfila nas ruas com palavras de ordem bem parecidas, disfarçadas pelo necessário combate à corrupção.

Para os autores, a ditadura militar, instaurada pela elite civil que teria usado os militares para impor sua vontade, teria deixado como preço a educação sucateada, a violência policial crescente e as marchas reacionárias e desnorteadas. No relato contundente de 32 capítulos, Dória e Severiano condensam as duras memórias daqueles tempos e entendem que as sombras seguem a se estender sobre nós.

Para os autores, o autoritarismo, o conservadorismo, a manutenção das instituições políticas e jurídicas arcaicas e a destruição do patrimônio cultural, político e ideológico seguiram e seguem atuando, e agora com mais força.

No prefácio, o escritor e jornalista Fernando Morais escreve: "No último meio século, os dois colegas não fizeram senão jornalismo, contando histórias e a história do Brasil. Sem ter nascido em berços de ouro, sem dinheiro da Fundação Ford. Neste livro, Mylton e Palmério se baseiam na própria memória, nas publicações que fizeram, nos livros de colegas e em preciosos depoimentos de protagonistas e testemunhas, que trazem fatos inéditos ou jamais percebidos, para contar o que foi que os golpistas impediram o Brasil de ser".

Como se vê, trata-se de uma obra forte, lançada como um "sinal de alerta", segundo a orelha do livro, para que os leitores atuais relembrem fatos de nossa história recente. Figuras históricas como o presidente João Goulart (Jango) são resgatadas com novos contornos e definições.

A obra trata de problemas de crescimento econômico do Brasil e mostra como compramos automóveis, computadores, celulares e geladeiras da Coreia do Sul e seguimos vendendo ferro, soja, café, carne e outros produtos primários.


31 de julho de 2015 | N° 18243 
DAVID COIMBRA

Uma conversa com Jorge Furtado

“Pesada é a pedra, pesada é a areia,

Mais pesada ainda é a cólera do tolo.”


Isso é sabedoria antiga, velha de 20 séculos. Arranquei o poema do Livro dos Provérbios, que a ficção hebraica atribui a Salomão, mas que, na verdade, é uma compilação de pequenos textos de uma miríade de autores, muitos deles egípcios ou de outras extintas nações orientais.

Realmente, a cólera, em si, já é pesada; a cólera do tolo é insuportável.

O Brasil, hoje, vive em meio a cóleras. A dos tolos você precisa ignorar, ou ela o amassará com seu peso. A dos sábios pode ser suportada, porque é mais leve.

Travei ontem uma conversa eletrônica com um brasileiro que julgo sábio, o cineasta Jorge Furtado. Falamos, exatamente, sobre a cólera que faz rugir o país, nestes dias tormentosos. As pessoas tomaram suas posições, assumiram os seus lados e não saem mais de trás das suas trincheiras. É pena, porque o debate faz evoluir.

Não concordo com todas as opiniões do Jorge Furtado, ele não concorda com todas as minhas, mas tivemos uma conversa saudável. Natural: ele não é um tolo. O desagradável, no inviável debate com os tolos, é que eles partem de pressupostos: como você não está no “time” deles, você não está errado: você é desonesto. Isso é muito rasteiro. E muito cansativo.

Vou entrar no conteúdo: não gosto do governo do PT; o Jorge Furtado, o Luis Fernando Verissimo e o Moisés Mendes gostam. Temos opiniões diferentes, mas, ainda assim, admiro os três e os respeito. Não espero admiração de nenhum deles. Respeito, sim. Porque minhas críticas ao governo do PT não são feitas porque defendo “as elites”, porque meus patrões assim o exigem, porque me vendi para o sistema ou porque apoio um golpe para derrubar o governo eleito. Não. As críticas que faço são produto de minhas reflexões, de minhas ideias e de minhas crenças. Se são tolices, são tolices honestas.

Agora: se sou tolo, não sou um tolo colérico. A cólera dos tolos (e dos sábios) brasileiros levou o país a raciocínios superficiais, do tipo:

Bolsonaro é contra o governo do PT; logo, quem é contra o governo do PT é a favor do Bolsonaro.

Não gosto das opiniões e das atitudes de Bolsonaro. E também não gosto do governo do PT. Não porque o governo é do PT, partido no qual outrora votei; porque é um governo ruim. Todas as supostas conquistas econômicas do PT, todos os índices positivos de hoje poderiam ser apresentados ontem pelo governo militar. Pegue o Brasil de 1964 e compare com o de 1985: o Brasil terá melhorado em quase tudo. Como o de 2002 comparado ao de 2015. 

Mas nem num período, nem no outro, houve melhora estrutural que pudesse construir uma nação de verdade. Você não faz uma nação de verdade permitindo ao trabalhador que compre um automóvel; você faz permitindo que o filho dele tenha uma educação de qualidade, tão boa que ele possa competir com o filho do rico para entrar numa universidade. Você não faz uma nação de verdade dando ao operário condições de ele viajar de avião; você faz ao dar a ele condições de passear à noite em sua própria cidade, sem medo de ser assassinado.

O PT podia ter feito isso. Tinha prestígio, força e condições econômicas para fazê-lo. Não fez. Essa é minha crítica, amarga crítica ao PT. O que não me ombreia com Bolsonaro, Cunha, Feliciano e tucanos em geral, o que não me torna golpista, o que não é fruto de interesses. Entendo que sábios eventualmente não concordem comigo. Não aceito que eles não entendam que a minha tolice cabe apenas a mim.


31 de julho de 2015 | N° 18243 
MOISÉS MENDES

Querido diário


O francês Edgar Morin ainda acredita nos diários com impressões pessoais como forma de autoconhecimento. O filósofo gostaria de ver professores incentivando crianças e adolescentes a anotarem suas vivências, para que um dia possam ler o que escreveram sobre um guri, uma guria ou a professora de geografia.

Diários de adultos podem ser mais complexos, mas quase todos têm um quê de infantilidade, ou não seriam diários. Nem todos têm florzinhas, alguns são trágicos.

O diário de Getúlio Vargas, por exemplo, já avisava, 24 anos antes, o que ele poderia fazer e acabou fazendo no dia 24 de agosto de 1954. No dia 20 de novembro de 1930, ainda eufórico com a tomada do governo, escreveu: “Quantas vezes desejei a morte como solução da vida”.

Getúlio escrevia sobre qualquer coisa. Anotava que Plínio Salgado, o líder da direita integralista era um caipira. Confessava que à tarde recebera “uma visita agradável” (da amante Aimée Sotto Mayor Sá), com o detalhe de que o encontro interrompia “três anos e meio de vida regular”.

Tudo isso está na biografia de Getúlio que Lira Neto escreveu para a Companhia das Letras. Claro que Getúlio desejava que seus registros fossem um dia lidos por alguém – ou por muita gente. Um diário é também o desejo de invasão da própria intimidade.

Meu colega Henrique Erni Gräwer faz, há 20 anos, registros de percepções e sentimentos, nem sempre diários, com um detalhe: nunca relê. Os cadernos são guardados para um dia, que ele não sabe quando, serem abertos.

Nixon, o presidente derrubado pelo caso Watergate em 1974, fazia diários gravados. Todas as suas conversas no Salão Oval da Casa Branca eram registradas em fita cassete. Diziam que almejava ser reconhecido, quando ouvissem conversas e comentários, como um grande líder mundial.

Nixon definia o chanceler alemão Willy Brandt como um idiota e dizia que os russos adoravam uma adulação. As gravações sobre Watergate foram ouvidas pela Justiça e apressaram sua renúncia.

Agora, a Justiça devassou um smartphone com as anotações do presidente da Odebrecht. Marcelo Odebrecht foi definido em reportagem de O Globo como “o homem que anotava”. Registrava planos para escapar da Lava-Jato, conversas, nomes de conhecidos, de jornalistas e comparsas.

A mediocridade dos corruptores se manifesta, em tempos de registros virtuais, também nessas notas utilitárias do empreiteiro. Nem o Freud mais elementar frequenta as anotações de um sujeito que só pensa em artimanhas e dinheiro.

31 de julho de 2015 | N° 18243 
MARCOS PIANGERS

Isso foi ontem


E você me disse que me odeia e que preferia não ter nascido. Isso foi ontem, quando você fez 18 anos. E um pouco antes eu disse que não ia emprestar o carro, que apesar de estar com o papelzinho da autoescola aquilo ainda não era a sua carteira de motorista. E você disse que estava muito nervosa no teste e não sabia se tinha passado.

E você disse que estava feliz com a nova escola, já tinha feito umas amigas. Isso foi ontem, quando a gente se mudou de cidade.

E você disse que tinha adorado a festa, mesmo que a gente tivesse pouco dinheiro pro vestido de 15 anos. Eu senti que você estava só sendo educada. E você disse que a prova tinha sido impossível e que a professora não ensinava nada e só jogava a matéria no quadro. Isso foi ontem, quando você me falou que pegou recuperação. E você disse que ia brincar um pouco mais lá embaixo e ia fazer a lição de casa amanhã de manhã. Isso foi ontem, e até agora nada.

E você me disse pelo telefone que estava com saudade e eu me senti o pior pai do mundo porque não estava com você no seu aniversário de 12 anos. E você veio correndo me mostrar mais um dente que tinha caído e eu peguei o dente e guardei no bolso da minha camisa e esqueci ele lá. E você odiou quando a gente passou seu aniversário em Recife, longe de todas as suas amigas, sem festa e sem presente. Isso foi ontem, quando você fez 10 anos.

E você disse que agora não precisa mais sentar na cadeirinha do carro. E eu te dei um celular bem baratinho, porque não conseguia me imaginar longe de você sem poder me comunicar. Na escola, tinha aquele menino que te chamava de “menina do celular”, porque você era a única menina com pais tão preocupados, ligando de 10 em 10 minutos. Isso foi ontem, no seu primeiro dia de aula.

E eu e a sua mãe choramos escondidos com uma pena de você, quando sua irmã nasceu e sentimos que você não seria mais nossa princesinha. Iria ter que dividir o reino com um novo bebê. Isso foi ontem à noite, depois que você dormiu. E você insistiu pra dormir na minha cama porque estava com medo do escuro e me chutou a noite inteira. Isso foi ontem e agora eu estou todo dolorido. 

E você me disse que me amava pela primeira vez, provavelmente só repetindo o que eu te digo todo dia. Isso foi ontem. E eu estava nervoso e atrapalhado. Sua mãe tranquila e feliz. Viramos a noite no hospital, ontem, quando você nasceu. Tentando entender como cuidar de você. Um dia a gente aprende.

quinta-feira, 30 de julho de 2015



30 de julho de 2015 | N° 18242
TECNOLOGIA NOVO SISTEMA OPERACIONAL

Será este o Windows definitivo?


VERSÃO 10 TERÁ UPGRADE gratuito para quem já usa versões originais, aposenta o Internet Explorer e agrega um assistente de voz. Microsoft busca manter a supremacia no mercado.

O número 10 não é à toa. Ao pular do 8 para a versão lançada ontem, o Windows indica que fecha um ciclo, corrige defeitos graves e finca o pé em novos setores. Gratuito para quem já tem Windows 7, 8 ou 8.1, o novo sistema operacional da Microsoft traz de volta o menu iniciar, aposenta o Internet Explorer e mostra o Cortana, assistente virtual da empresa dirigida por Satya Nadella.

Por falar em Nadella, esse é o primeiro grande lançamento da companhia sob a batuta do americano com ascendência indiana – que substituiu Steve Ballmer e foi nomeado CEO por Bill Gates em fevereiro de 2014. A intenção dele fica clara em frase destacada no evento de ontem:

– Queremos sair do momento em que as pessoas precisavam do Windows, para chegar a um momento em que as pessoas escolhem o Windows e, enfim, que elas amem o Windows.

Gustavo Lang, diretor de Windows da Microsoft no Brasil, considera essa versão quase um “Windows definitivo”:

– Quando a gente introduz o Windows como produto, não precisaria ter o 10 na frente. É a nossa plataforma, e o nosso compromisso é mantê-la sempre atualizada. Já fui perguntado se a Microsoft atingiu a perfeição, mas é exatamente o contrário, queremos renová-la com muito mais rapidez, constantemente.

Especialistas reforçam a importância do novo Windows para a gestão de Nadella. Ousado, o sistema operacional indica possíveis caminhos para a empresa, principalmente pelo fato de unificar a experiência do usuário em diversas plataformas. O novo Windows estará disponível para PCs, tablets, smartphones, Raspberry Pi, Xbox One, HoloLens, entre outras.

– É a chance de a Microsoft se reposicionar. Passar a ter sistemas não só para desktop, mas para tablet, celular etc. Ela começa a botar as mãos em um mercado que é todo do Android. E, ao disponibilizar o Windows de graça, a empresa passa a mensagem de que vende serviços, soluções, e deixa de ser uma companhia que vende o software – analisa Julio Machado, professor da Faculdade de Informática da PUCRS, que trabalha junto ao Centro de Inovação da Microsoft na universidade e já testou as versões beta do Windows 10.

Se o pulo do Windows 7 para o 8 foi um susto – o sistema operacional apresentou muitas mudanças que desagradaram os usuários e causou certa estranheza na base de consumidores –, a evolução para o 10 é mais suave. A colunista Vanessa Nunes, especialista em tecnologia, descreveu a transição como “nada traumática”, e o sentimento ao utilizar a nova versão “foi de alívio”. Isso porque defeitos e medidas antipáticas de anos passados foram corrigidos.

EMPRESA ESPERA CHEGAR A UM BILHÃO DE USUÁRIOS

O menu iniciar é um organizador. E funciona, como sempre funcionou. A aposentadoria do Internet Explorer era quase uma obrigação – o produto já havia se tornado piada e chegou a ser descrito pela própria Microsoft como “o navegador que você ama odiar”. Com o Edge, a experiência fica mais rápida, leve e atualizada.

Por último, o Cortana pode ser um atrativo bastante importante para possíveis novos consumidores. Bastante parecido com a Siri, software da Apple que responde a comandos de voz do usuário, o Cortana ainda não tem versão em português, o que atrapalha a experiência, mas parece ser uma evolução importante no escopo da Microsoft. A empresa garante que até o final do ano a versão para brasileiros estará disponível para os “Windows insiders” (grupo de usuários beta). Depois de aprovada, é liberada para todo mundo.

Com a nova versão, a Microsoft espera que 1 bilhão de pessoas usem o Windows até 2018. Nos Estados Unidos, o Windows 10 Home custa US$ 119 (cerca de R$ 402) para quem não tem versões posteriores ao Windows 7 em seu computador. A versão Pro sai por US$ 199 (cerca de R$ 672).

gustavo.foster@zerohora.com.br - *O repórter viajou a convite da Microsoft


30 de julho de 2015 | N° 18242 
DAVID COIMBRA

Ela pintou o cabelo de azul

Conheci uma moça que pintava uma mecha dos seus cabelos de azul. Ela tinha a voz rouca e a pele morena. Namorava um amigo meu e, não, eu não a desejava, de forma alguma, mas admirava aquela pequena ousadia. Pintar o cabelo de azul, imagina. Estávamos nos anos 90, um tempo em que os cabelos não eram azuis. Hoje são.

Nos Estados Unidos, a todo mo

mento deparo com mulheres de cabelos coloridos. Curiosamente, as americanas do Norte não parecem tão vaidosas quanto as americanas do Sul. Não usam salto alto no dia a dia e vestem-se como quem pegou o primeiro pano que estava pendurado na cadeira, de manhã cedo. Na rua das cidades tipicamente americanas, você vê mulheres até de... moletom!

Outro dia, testemunhei a conversa entre uma italiana e uma francesa que se queixavam da forma como as americanas se vestem. Para uma italiana, o despojamento das americanas é revoltante, porque elas, italianas, se sentem constrangidas de exercitar sua natural faceirice latina. Realmente, realmente. Certa feita, passei a manhã de sábado sorvendo um cappuccino numa mesa de beira de calçada nas imediações da Piazza di Spagna, em Roma. O que assisti ali foi um dos mais glamorosos desfiles do gênero feminino da minha vida. Registrei, em especial, que as italianas apreciam entrar em justíssimas calças brancas.

Já as francesas exalam aquela elegância magra, aquela delicadeza decidida. Por algum motivo, acho que são um pouco brabas.

Já no interior americano, uma mulher que se enfeita muito durante o dia destoa das nativas e chama a atenção.

Claro, não estou falando de Nova York, por exemplo. Nova York, como Miami e Los Angeles, é uma cidade voltada para fora dos Estados Unidos. Você caminha pelas ruas da Big Apple e encontra mulheres paramentadas como se estivessem prestes a subir na passarela. Um dia, num final de tarde, perto do Relais de L’Entrecôte, avistei uma jovem longilínea, encarapitada em saltos de uns 15cm de altura, as longas pernas mal cobertas por uma minissaia de palmo e meio de largura, os olhos de felina examinando o mundo com enfaro, a maior cara de modelo. Eu a vi e fiquei nervoso.

Mas, nas pequenas cidades, agora, durante o verão do Hemisfério Norte, o que as mulheres fazem é meter-se em roupas sumárias, coisinhas mínimas mesmo, do tamanho da minissaia da modelo new yorker, com uma diferença importante: o gosto das americanas do interior é andar o dia inteiro com aqueles shorts de corrida. São shorts bem curtos e leves e de cores chamativas. Só que serão sempre comuns shorts de corrida, e elas os usam até para ir a bares. E, nas gramas das pracinhas, as mulheres estendem toalhas e se deitam de biquíni para tomar sol, tudo muito natural, não há nenhuma insinuação sedutora, nenhuma sugestão, nada.

Mas, entre a seminudez assexuada das americanas e a sensualidade aparatosa das italianas, prefiro a brasileira dada a atitudes como, numa primavera, por algum motivo, pintar um feixe dos seus cabelos negros de azul. Um mínimo atrevimento, uma rebeldia sutil, um rosnado de fêmea.


30 de julho de 2015 | N° 18242
DE FORA DA ÁREA | Cláudio Dienstmann

ESSES EUROPEUS NEGOCIAM BEM

Os europeus querem levar Aránguiz do Inter por 15 milhões de euros. Do Grêmio, querem Luan, por 10 milhões de euros, e Walace, por 8 milhões de euros. Não é pouco dinheiro: 15 milhões de euros dá mais de R$ 55 milhões, suficientes para comprar mais de mil carros zero, ou uns 500 apartamentos de um quarto, ou uma dúzia de casas em condomínios de luxo ou 10 apartamentos de cobertura com vista para o mar no Rio.

Por outro lado, quando contratam jogadores das mesmas funções de Aránguiz, Luan e Walace já em atividade na Europa, os clubes de lá pagam quatro, cinco vezes mais.

Nas últimas semanas, foi feita uma série de negociações assim. Por 35 milhões de euros, o holandês Memphis Depay foi do PSV para o Manchester United, o brasileiro Douglas Costa, do Shakhtar para o Bayern, o chileno Arturo Vidal, da Juventus para o Bayern, o belga Christian Benteke, do Aston Villa para o Liverpool. O Barcelona deu 40 milhões de euros pelo turco Arda Turan, do Atlético de Madrid, mesmo valor do marfinense Wilfred Bony, que saiu do Swansea para o Manchester City em meio à temporada passada.

O Bayer Leverkusen, interessado em Aránguiz, é especialista em comprar jogadores a baixo custo – sul-americanos em geral e brasileiros em particular. Usa por um tempo e vende pelo triplo ou mais. Foi assim com Zé Roberto, Jorginho, Emerson, Juan, Lúcio, Vidal. Os clubes holandeses, belgas e franceses são especialistas em repassar jogadores buscados na África: compram por pouco, vendem por muito para ingleses, italianos e alemães. Porto e Benfica lapidam sul-americanos e revendem com grande lucro (e nós é que nos consideramos espertos!)

Os sul-americanos sofrem concorrência de oferta dos países de segunda e terceira linha do futebol europeu: sempre existe talentos disponíveis na Croácia, Sérvia, Bulgária, Bósnia e Herzegovina, Montenegro, e até na Ásia, Oceania, América Central e do Norte. No caso do pessoal do leste europeu, há maior facilidade de adaptação.

Para chegar a um preço melhor, os brasileiros e sul-americanos (com raras exceções) precisam primeiro fazer uma espécie de estágio – seja em países com menos tradição ou em clubes de segunda linha em grandes ligas, como Lúcio, Juan, Zé Roberto, Emerson, Douglas Costa, Cuadrado, Vidal, Roberto Firmino, Hulk, Fernandinho, Willian, Luiz Gustavo, Dante, Daniel Alves, Rivaldo, Romário, Ronaldo, Ronaldinho, David Luiz, James Rodríguez, Luís Suarez, Cavani, Falcao García, Diego Costa, Marquinhos e Alexis Sánchez.

Azar dos clubes brasileiros: como no tempo do colonialismo marítimo, os europeus continuam negociando e se dando muito bem.


30 de julho de 2015 | N° 18242 
L. F. VERISSIMO

Retrocesso


Estão fazendo pouco desse deputado que sugeriu a identificação de um delinquente em potencial ainda no ventre da mãe, quando isto for cientificamente possível, e a interrupção da gravidez, mas sei não. A ideia da maioridade penal pré-natal é no mínimo coerente com o retrocesso generalizado em curso no país, onde até a UDN voltou, disfarçada, cada vez mais gente pensa, segundo as pesquisas, que no tempo da ditadura militar era melhor e Bolsonaro deixou de ser direita folclórica e já é direita factível. 

Nesse ritmo, ainda reinstauraremos a escravatura, que fomos os últimos no mundo a abandonar, com pesar. Só penso que o deputado exagera quando preconiza o aborto preventivo. Acho que, mais de acordo com a nossa tradição de povo cordial, se deveria esperar o bebê nascer para, então, lhe dar voz de prisão.

VELHOS TEMPOS

Estudei numa “high school” americana e durante três anos, todas as manhãs, botava a mão sobre o coração e jurava lealdade à bandeira dos Estados Unidos da América, uma só nação, sob Deus, com liberdade e justiça para todos. Bem, para todos não. As escolas eram segregadas, não tínhamos colegas negros. 

Eu estava lá quando a Corte Suprema ordenou a dessegregação. Houve reação violenta em outras escolas brancas da região, mas a nossa aceitou a novidade sem problemas. Sempre atribuí isso à quantidade de judeus na escola, num tempo (que já passou) em que ativistas liberais judeus apoiavam os movimentos por direitos civis dos negros.

Pensei nesses velhos tempos e em como as coisas mudaram vendo um presidente americano negro – desculpe, afrodescendente – visitando a terra dos seus ancestrais na África. Um presidente não apenas afrodescendente, mas afrodescendente direto, com parentes próximos na terra do seu pai. Pensei em que mais teria mudado, além da ascensão de Barack Obama e tudo que ela simbolizou. Não sei se, nas escolas, ainda fazem o juramento à bandeira como antigamente. Sei que o “sob Deus” foi discutido, não sei se permaneceu. Anos depois, fui visitar a minha escola em Washington. Não vi nenhum aluno branco. Era uma escola pública. A maioria dos brancos devia ter se transferido para escolas privadas.

Extraoficialmente, a segregação continuava.

No meu tempo, num dia por semana havia instrução militar. Eu tinha que ir à escola fantasiado de soldado, com quepe e tudo. Fazíamos ordem unida e eu apreendi a desmontar e remontar um rifle. Que seria inútil contra a maior ameaça aos Estados Unidos na época, um ataque nuclear dos russos. 

A intervalos havia ensaios para o caso de bombardearem Washington. Íamos todos para o porão da escola, desconfiados de que ali não estaríamos muito mais seguros do que na superfície. Imagino que não façam mais isto, a não ser por medo de alguma loucura retrógrada do Putin.

quarta-feira, 29 de julho de 2015



29 de julho de 2015 | N° 18241 
MARTHA MEDEIROS

Anacrônica

Não me preocupo em ficar velha (mentira). Desde que nascemos, estamos envelhecendo, cada dia com menos joelhos, visão e memória. Sabendo levar com humor, tudo certo. Mas ficar obsoleta é preocupante. Já começo a antever a solidão que me aguarda. Onde catar meus pares? Será que me transformarei naquelas malucas que zanzam pela noite falando sozinhas em busca de uma realidade que não existe mais?

O Facebook não tem culpa de tudo, só de uma parcela da minha sensação de anacronismo: leio os posts de amigos inteligentes e espirituosos, e tudo me parece tão esperto, moderno, atualizado, divertido, bem sacado e oportuno, que acabo me considerando uma personagem de filme de época que esqueceu de sair de cena.

Além do conteúdo das postagens, todos sabem corrigir defeitos em fotos, baixar vídeos complicados, colar matérias, fazer intervenções nas imagens e eu matei quase todas essas aulas. Até o Papa usou um tablet para se registrar como peregrino da próxima Jornada Mundial da Juventude. Outro dia, um amigo que é respeitado no Brasil inteiro, craque em seu ofício, um cara antenado, postou uma singela pergunta no Face: alguém me ensina como fazer parágrafos nos comentários sem enviá-los antes de terminar de digitar? Alívio para minha humilhação. Também não sei, também não sei.

Mas não estou obsoleta só nas redes sociais. É em tudo. Meus conceitos caducaram. Não espalhe, mas ainda gosto de algum romantismo, aprecio quem entra no jogo da sedução, faz seu papel, curte o flerte – nem precisa estar tão apaixonado, basta que encene, decore suas falas. Até dispenso o amor, fico com o simulacro, acho que evoluí (se bem que o fato de ainda gostar da mise-en-scène já me condena – e nem ouso confessar que, quando há amor de verdade, fico ainda mais feliz).

Feliz! Coitada de mim, que ainda arrisco trazer a público palavra tão retrô. Angustiada, medicada e vulgar, é isso que esperam de uma mulher condizente com seu tempo.

Só que não tenho mais meu tempo. Ele não é ontem, não é hoje e o amanhã se assemelha a um gigantesco aspirador de pó – o pó sou eu. Estou soando dramática? Exagerada? Pois é, até isso é antigo.

Eu apoio o casamento gay, sou a favor da descriminalização do aborto, viajo sozinha quando dá na telha, meu trabalho me sustenta e ainda assim me sinto como se recebesse mesada de marido e não pudesse votar. Música eletrônica me atordoa, ostentação me nauseia e meus heróis, em vez de morrerem de overdose, estão chegando aos cem anos. Meu sonho de consumo é encontrar outros sobreviventes nesta ilha em que estou me exilando. E uma tevê que não envergonhe minha filha diante dos amigos – sou a única terráquea que ainda não tem uma de LED.


29 de julho de 2015 | N° 18241 
FÁBIO PRIKLADNICKI

O PROBLEMA DE MALMÖ

A cidade de Malmö, na Suécia, é bem conhecida dos amantes de seriados. Fica na divisa com a capital dinamarquesa, separada por uma ponte, de onde vem o título da série Bron/Broen, exibida no Brasil como The Bridge (não confundir com o remake da série ambientado entre Estados Unidos e México).

Fora da ficção, Malmö tem ganhado manchetes, nos últimos anos, pelo crescente antissemitismo. Por meio de uma ostensiva hostilidade, a cidade está expulsando, aos poucos, os integrantes da população judaica local. Foi o caso de Shirley Tsubarah, uma jovem de 25 anos que emigrou para Israel e foi tema de uma reportagem do jornal sueco Sydsvenskan. Ela afirma que as autoridades de Malmö ignoram conscientemente a questão do antissemitismo. 

Conta que foram realizadas 134 denúncias à polícia sobre atos de violência contra judeus, no ano passado, sem que tenham resultado em investigações. Entre outras situações de abuso, sua família já teve o carro pichado com insultos sobre sua religião. Shirley relata que 80% dos estudantes da escola de Ensino Médio que frequentava eram muçulmanos. Ela sofria constantes ameaças, e seu irmão apanhou porque era judeu. O caso foi levado à polícia, mas nada aconteceu.

Como parte de um experimento para um documentário no início do ano, um repórter decidiu perambular por Malmö com uma câmera escondida, usando um solidéu e uma estrela de Davi, símbolos tradicionais judaicos. Registrou inúmeras ofensas dirigidas pelos passantes. 

Para agravar a situação, o prefeito de Malmö até 2013, Ilmar Reepalu, ficou conhecido por negar o problema, preferindo culpar a comunidade judaica. Declarou, em uma entrevista, que um partido anti-imigração com raízes no movimento neonazista havia se infiltrado entre os judeus de Malmö para colocá-los contra os muçulmanos – uma declaração delirante que causou perplexidade nos ouvintes. Os suecos têm um desafio e tanto pela frente.


29 de julho de 2015 | N° 18241 
DAVID COIMBRA

Por que o PT fracassou


O pior do governo do PT não é a corrupção. É a legitimação de uma espécie de guerra de classes no Brasil. Porque é assim que o governo se justifica. Este seria um governo “dos pobres”, um governo “de esquerda”, o que, por si, seria bom. Finalmente, os pobres estariam representados pela esquerda com consciência social. Os interesses dos ricos teriam sido contrariados para que os pobres, enfim, ascendessem socialmente.

Só que isso não é verdade.

Esqueça a corrupção. Esqueça o autoritarismo inato do PT. Esqueça as sabotagens à democracia representativa. Concentre-se apenas no que os governistas apresentam como pretexto para os seus defeitos: a suposta defesa dos pobres, o mérito intrínseco de ser “de esquerda”.

É um pretexto falso. É uma crença mentirosa. Por quê?

Nenhuma classe social, nenhuma categoria, nenhum país pode ser bem atendido se for só por programas e obras materiais. O Bolsa Família, de longe a melhor ação do governo do PT, é, por natureza, emergencial. Em tese, você resolve aquela questão premente e depois passa para a administração de fato dos problemas da nação.

Muita gente me critica dizendo que, há alguns anos, escrevi colunas favoráveis ao governo do PT e que agora mudei. Não mudei. E nem o governo mudou. Quando o governo começou, pensei: Lula está tratando do que é urgente, em seguida passará às questões estruturais.

Nunca passou.

Lula e os governistas se acomodaram com a facilidade dos programas, com o populismo e com as obras de aço e concreto, fonte borbulhante de corrupção. Isso já foi feito pelo governo militar. Minha mãe conseguiu comprar nosso apartamento graças ao BNH, um programa habitacional. Paguei minha faculdade graças ao crédito educativo, um programa educacional. O Mobral era um bem-intencionado programa de inclusão social por meio da alfabetização. Da mesma forma, a ponte Rio-Niterói, a freeway, a refinaria Alberto Pasqualini, a Usina de Itaipu e outras tantas obras de infraestrutura eram uma espécie de PAC dos militares.

Mas onde ficaram as reformas estruturais depois de 21 anos de governo dos generais? Onde estão agora as reformas estruturais, depois de quase uma década e meia de governo petista?

Em lugar algum, porque não foram feitas.

Os pobres, e por consequência o Brasil todo, só serão realmente atendidos quando o país fizer reformas por dentro, quando for reestruturada a educação básica e fundamental, quando for instituído um federalismo de fato, quando houver uma reforma tributária, quando houver reforma na segurança pública, com mudanças no Código Penal, nas polícias e no sistema prisional, quando o sistema de saúde deixar de ser bom só na teoria.

É assim que os pobres serão ajudados de verdade no Brasil. Só assim. Por que o PT não fez essas mudanças quando tinha chance de fazê-las?

Por má intenção? Não. Simplesmente porque não sabe fazê-las.

O PT jamais teve um projeto de administração do Brasil. Sempre teve um projeto de poder. A ideia era chegar lá e depois ver como “ajudar os pobres”. Empossado, Lula foi tentando, palmeando no escuro. Lançou o Fome Zero. Não deu certo. Adotou o velho programa do Bolsa Família. Deu certo. Lula viu que esse era o caminho da popularidade. Seguiu por ele. E esqueceu-se do resto. Esqueceu-se de que o Brasil precisa de um trabalho duro, difícil, profundo e, muitas vezes, impopular para se tornar uma nação verdadeiramente justa.

Não festejo o fracasso do PT. Ao contrário: lamento. Perdemos tempo. E pior: acirrou-se uma disputa ideológica rançosa, de teor clubístico, que só nos empurra para discussões vazias. O PT não fracassou por ser supostamente de esquerda, não fracassou porque supostamente quer ajudar pobres. Fracassou porque não sabe governa


29 de julho de 2015 | N° 18241 
MOISÉS MENDES

A torcida dos linchadores


Um repórter terá perdido a utilidade quando deixar de imaginar a pauta impossível, a entrevista que só por um milagre conseguiria fazer. A colega Letícia Duarte é testemunha de que eu e o Luiz Antônio Araujo ainda perseguimos essa pauta, apesar dos detratores nos observarem como dois caras que só emitem palpites, fechados na Redação, olhando de vez em quando para a rua pelas frestas das persianas.

Confidenciamos à Letícia, no café da Redação, a pauta que nunca iremos fazer. Iríamos a Viamão e reuniríamos, não um, nem dois, nem meia dúzia, mas todos os envolvidos no linchamento de um homem no centro da cidade.

Chamaríamos os 15 linchadores para saber de onde vinham e para onde iam na noite de domingo, quando dois assaltantes atacaram um casal em uma parada de ônibus. Deu errado e um deles foi cercado e morto a pontapés.

Iríamos saber como cada um participou do linchamento. O que surrou mais, o que interferiu de vez em quando, o que acha que deu apenas um pontapé, o outro que só agrediu o homem quando já estava morto. E o que assegura ter ficado de longe apenas incentivando.

Quem são e o que fazem os que participaram daquilo? Que sensação tiveram ao acordar na segunda-feira? Qual é a parte de cada um nesse latifúndio de medo, descrença e barbárie?

Estudiosos da violência investigam há anos casos como esse. Não me interessa mais saber que as instituições estão desacreditadas, que poucos confiam em inquéritos policiais e que a Justiça é algo vago e distante da vida de todos eles. Eu e o Araujo queremos entender a força que os empurrou para uma ação em grupo capaz de matar quem nunca tinham visto.

Pouco antes da conversa no bar, eu ouvira da Andressa Xavier, na Rádio Gaúcha, a mesma interrogação: o que muda na cabeça e na alma de quem, em circunstâncias como a de Viamão, sai de casa para ir à farmácia e retorna como coparticipante de um assassinato?

Nossa pretensão de repórter era essa: falar com todos, para juntar depoimentos e dali tirar, não uma conclusão, mas um conjunto de sentimentos. Tenho, apenas por intuição, a impressão de que não há entre eles nada que se aproxime da euforia dos torcedores que ainda comemoram o massacre pela internet.

Essa torcida macabra aterroriza tanto quanto os 15 moradores de Viamão, que viverão atormentados para sempre com o que fizeram no impulso na noite de domingo.


ELIO GASPARI

De J.Figueiredo@com para Dilma@gov


A senhora ria da minha desgraça, mas peço-lhe que pense na sua, procurando evitar os meus erros
Prezada presidente,

Já lhe escrevi várias vezes, sem qualquer resultado. Pedi-lhe que parasse de distribuir mau humor porque sei que riem de nós. Quando as coisas iam mal, eu me deixava fotografar montando um dos meus cavalos, a senhora monta sua bicicleta. Presidentes fazendo coisas desse tipo rendem imagens, mas sabemos que isso é apenas teatro. Quem lhe disser que a senhora se parece comigo está frito. Lastimo dizer-lhe: somos parecidos. Eu não tinha como mudar. A senhora tem. Como? Não sei, nem poderia lhe dizer.

Eu governei o Brasil de 1979 a 1985. Depois veio o Sarney (a quem não passei a faixa). Juntos, levamos o país para o que hoje se chama de "Década Perdida". Ela teria acabado em 1993, quando aquele caipira do Itamar Franco botou o Fernando Henrique Cardoso no ministério da Fazenda. O SNI achava que ele era comunista. Hoje me dou bem com o Itamar e gosto de conversar com o Tancredo Neves. Ele promete me reaproximar do general Ernesto Geisel, mas não está fácil. Se a tal "Década Perdida" tivesse acabado em 1994, teria começado em 1984. Não creio. Ela começou antes, no meu governo.

A ruína de nosso país começou em 1982, quando fomos colocados diante de uma situação econômica adversa e resolvemos pedalar. Eu fazia uma coisa, desfazia, tentava outra, sempre anunciando que a crise era transitória e sairíamos das dificuldades. Vieram o Sarney e o Itamar e tocaram o mesmo realejo.

Escrevo-lhe para pedir-lhe que pense na coisa mais elementar: o buraco está muito mais embaixo. A crise econômica do país é mais grave do que a senhora diz, mas está no início. Talvez esse moço que a senhora pôs na Fazenda tenha acreditado que resolveria com saltos triplos. Aprendeu que não dá e o pior que pode acontecer à senhora é ter um ministro vendendo otimismo e produzindo descrédito. Para desgraça geral, eu, o Sarney e o Itamar jogamos esse jogo.

Toda vez que eu fazia uma besteira a senhora ficava feliz. Hoje, daqui, não me alegro com suas bobagens. Essa história de crise transitória levando ao crescimento depois da próxima esquina é ridícula. Aliás, essa imagem veio do presidente americano Herbert Hoover em 1930, um sujeito pernóstico que conversa muito com o Roberto Campos. O Franklin Roosevelt, que governou depois dele, não o cumprimenta.

Crise é crise e a senhora está no meio de uma. Reconheça-a. Assuma-a. Se o PT fizer cara feia, encare-o. O que arruinou a nossa economia foi a minha incapacidade, a do Sarney e a do Itamar até 1993 de reconhecer o tamanho do buraco e de enfrentar questões difíceis que pareciam insuperáveis. Sarney e o Itamar foram mais hábeis que eu, costurando uma base política. A minha, contudo, costurei-a abrindo espaço para Tancredo, livrando o país de um governo presidido por Paulo Maluf.

Outro dia a senhora disse que a Lava Jato influenciou na redução da atividade econômica em 1%. Eu sei quanto nos custam observações coloquiais. Tem gente que acredita que eu preferia o cheiro de cavalo ao do povo. Nossas derrapadas saem da alma, mas a senhora sabe que a Lava Jato não influenciou a atividade econômica. Foram as roubalheiras que provocaram a Lava Jato. Na dúvida, fique calada. Eu não conseguia. Despeço-me porque os meu cavalos estão pedindo comida.

Atenciosamente,
João Baptista Figueiredo

terça-feira, 28 de julho de 2015

A ROMà

Uma vez, quando vivia no coração de uma romã, 
ouvi uma semente dizer: "Algum dia, eu me 
tornarei uma árvore, e o vento cantará em meus ramos, 
e o sol dançará sobre minhas folhas, e serei forte 
e bela durante todas as estações." 

Então uma outra semente falou e disse: 
"Quando eu era tão jovem quanto você, 
também tive esses sonhos. 
Mas agora posso pesar e medir as coisas, 
e vejo que minhas esperanças eram vãs." 

E uma terceira semente falou também: 
 "Não vejo em nós nada que prometa 
um futuro tão grandioso." / 

E uma quarta disse: 
"Mas que palhaçada seria nossa vida, 
sem um futuro maior!" / Disse uma quinta: 
"Por que discutir sobre o que seremos senão  
sabemos sequer o que somos?" / 

Mas uma sexta replicou: "Seja o que for 
que sejamos, assim continuaremos a ser." / 
E uma sétima disse: "Tenho uma ideia muito 
clara de como tudo será; mas não consigo 
pô-la em palavras". 

Então, uma oitava falou, e uma nona, 
e uma décima, e depois muitas - até que todas 
estavam falando, e não pude distinguir mais nada 
de tantas vozes. Por isso, mudei-me, naquele 
mesmo dia, para o coração de um marmelo, 
onde as sementes são poucas e quase silenciosas. 

Gibran Khalil




28 de julho de 2015 | N° 18240 
CARPINEJAR

Não deixe de ir


Vejo o enterro como uma majestosa sessão de cinema.

Cada um que entra no velório é um derradeiro espectador de uma vida.

De uma vida que não irá se repetir.

Manteremos o respeito dos trajes negros e dos gestos comedidos para homenagear um idioma que se extingue, um jeito de falar que desaparece, um modo de amar que some do convívio.

Não há como não ser inesquecível. O cenário nos remete às salas antigas de exibição: o tapete vermelho e as cadeiras ao redor do caixão. É sentar e lembrar as principais cenas de uma longa trajetória.

Não se nasce impunemente, assim como não se deve morrer no esquecimento.

A despedida não traz apenas tristeza, mas uma confusão de sentimentos envolvida no olhar profundo. Saímos da pressa do presente, ausentamo-nos das obrigações e dos compromissos para eternizar o que o outro representou em nosso passado. O ritmo lento da recordação encharca os olhos. Não é mais o rosto que carrega a lágrima, é a lágrima que carrega o rosto.

A música composta de soluços, cumprimentos e sussurros ao fundo lembrará o piano dos filmes mudos. O batimento cardíaco é o nosso pianista.

Não há superfície que nos separe da sensibilidade das coisas. Não há pele nas palavras. Não há proteção para os ouvidos.

Ficaremos leves repetindo incessantemente os pêsames.

Apesar da dor, não podemos desperdiçar o momento, não podemos renunciar à chance de falar o que sabemos e abraçar os espectadores. É acrescentar um capítulo inédito ao romance.

Não importa quem conheceu mais ou menos o falecido, quem era mais próximo ou mais distante. O fim torna qualquer um íntimo. Todos têm o ingresso para a saudade.

Trata-se de um momento fundamental, o de montar o copião de uma biografia.

Ouvir as histórias alheias e dar-se conta de que não conhecíamos tudo.

Descobriremos um novo lado, uma nova personalidade daquele que partiu.

Talvez desvendar que um homem sério também era divertido, que uma mulher introspectiva também era apaixonada.

Filhos ganham versões diferentes dos pais, esposas têm a surpresa das palavras ditas aos amigos, maridos recebem recordações antes do namoro.

Os mistérios serão solucionados, os passatempos serão denunciados, os traumas serão desfeitos.

Os familiares emendarão, em ordem cronológica, fotograma por fotograma da infância, da adolescência, da maturidade e da velhice de seu parente findo.

As festas de aniversário de uma pessoa estarão reunidas numa só celebração.

O enterro é uma ilha de edição, onde se juntam fragmentos dos contemporâneos, relatos de interessados, causos dos colegas, com o propósito de resumir e entender o significado de uma alma.

Não deixe de se despedir de um amigo. Será a última e, ao mesmo tempo, a primeira vez que assistirá a uma vida por inteiro.




28 de julho de 2015 | N° 18240
ARTIGOS - MARIA BERENICE DIAS*

CUIDAR É PRECISO. ABUSAR É PROIBIDO, 

Todo o Rio Grande chorou ao ler as reportagens sobre os maus- tratos cometidos contra crianças e adolescentes por quem deveria cuidá-los e protegê-los (ZH de 26 e 27/7).

Não há como não se sensibilizar com a verdade escancarada, de maneira nua e crua, do que acontece nos abrigos, que, como o próprio nome diz, deveriam abrigar, acolher.

Quem lá está depositado já passou por situação de negligência, maus-tratos, violência física ou abuso sexual. Ou tudo isso junto.

Foram retirados do lar – que deveria ser um lugar de proteção – para serem cuidados pelo Estado. Não são.

Claro que, diante de tudo o que passam, anos a fio, não é difícil entender por que, ao serem adotados, acabam testando quem os acolhe. Afinal, foram inúmeras vezes traídos pelas pessoas nas quais confiaram: primeiro, os pais e, depois, os chamados “educadores”. Quem sabe não é esta a origem de algumas devoluções que acontecem, o que, é claro, gera mais traumas e a crença de que se tornaram um verdadeiro estorvo social.

Na reportagem chama a atenção a história de José. Foi institucionalizado aos quatro anos por ter sido abusado sexualmente pelo companheiro da avó. Por que não foi imediatamente disponibilizado à adoção? O que levou o Estado a permitir que lá permanecesse até a adolescência? 

Acabou sendo encaminhado à internação psiquiátrica por apresentar depressão, automutilação e ingestão de substâncias não alimentares. Durante anos continuou sendo abusado, inclusive depois que se encontrava hospitalizado, oportunidade em que denunciou os abusos de que foi vítima.

Às claras, que situações como esta, e todas as demais retratadas nas reportagens, não podem se perpetuar. É necessário que o Estado assuma a responsabilidade de garantir a crianças e adolescentes o direito à convivência familiar, que lhes é assegurado constitucionalmente.

Não é buscando de maneira negligente e morosa a reinserção na família biológica ou tentando encontrar alguém da família extensa e que, muitas vezes, sequer a criança conhece, para só então ter início o processo de destituição do poder familiar.

*Advogada, vice-presidente do Ibdfam


28 de julho de 2015 | N° 18240 
DAVID COIMBRA

A comovente história do cavalo Farrapo

Esta é uma história real. Deu-se poucos meses atrás. Seu protagonista é o cavalo Farrapo, um mangalarga marchador de estirpe, campeão do Brasil. O proprietário de Farrapo, um estancieiro de outro Estado, queria vendê-lo para um rico estancieiro gaúcho. Ofereceu-o por R$ 100 mil. Depois de alguma ponderação de parte a parte, o negócio foi fechado.

O estancieiro gaúcho, que é meu amigo, contou sobre o dia em que viu Farrapo pela primeira vez: era um garanhão branco como a pureza, vistoso como um diamante, elegante como um felino e orgulhoso como um fidalgo. Chegou à fazenda feito o príncipe que era, observando os súditos do alto de sua cabeça empinada e poderosa.

O capataz quis montá-lo. Não conseguiu. Farrapo derrubava qualquer ser humano que ousasse tentar dominá-lo. Meu amigo o deixou na estância e foi tratar de seus negócios tantos. Farrapo empenhou seu vigor, então, como reprodutor. Semanas se passaram até que meu amigo voltasse àquela fazenda, uma entre várias de suas propriedades. Ao chegar, foi logo perguntando pelo Farrapo. O capataz, antes de responder, vacilou por uma dúzia de segundos:

– E-er... Ele está bem...

Meu amigo sentiu que havia algo errado:

– O que houve? Diz logo o que está acontecendo!

– É que... É que o Farrapo está namorando um burro...

– O quê?

Era verdade. O estancieiro foi lá e viu com seus próprios espantados olhos que Farrapo, agora, se relacionava amorosamente com um burro. Ficou furioso. Não que seja homofóbico, não se trata disso, não acionem o Jean Wyllys, mas é que Farrapo, simplesmente, não queria mais saber das éguas. Só se interessava pelo burro. Essa era a vida de Farrapo na estância: não podia ser montado, não montava égua alguma, só o que fazia era correr livre pelos campos e refocilar-se com o burro.

Meu amigo achou a situação insustentável. Ordenou:

– Capa esse cavalo!

A determinação horrorizou os empregados. Mas como? Capar o Farrapo? Um garanhão de tamanha qualidade? Não, não devia, não podia. Mas o estancieiro estava inflexível:

– Capa!

A notícia da ordem terrível alcançou os ouvidos do antigo dono do Farrapo, que se revoltou:

– O Farrapo ser capado?! Nunca! Eu compro de novo o cavalo!

Mas o fazendeiro gaúcho havia decidido, e não voltaria atrás:

– Capa! – Mas... – Capa! Caparam.

Sim. Caparam.

Cumprida a ordem, meu amigo dedicou-se mais uma vez a seus outros afazeres e deixou a fazenda por algum tempo. Quando retornou, o capataz quis saber:

– O senhor quer ver o Farrapo?

Ele disse que não. Preferia não encontrar outra vez aquele cavalo. Mas o capataz insistiu e trouxe-o do fundo do campo, puxando-o pela rédea. O que meu amigo viu, naquele momento, o enterneceu. Farrapo era outro. Veio devagar, cabisbaixo, triste mesmo. A antiga dignidade tinha ido embora acompanhada pela virilidade. Ante a cena deprimente, meu amigo suspirou, pesaroso. Mas ainda não era o fim da história. Porque, em um minuto, sem ser chamado, quem veio em direção a eles foi o burro. 

Aproximou-se lenta, mas decididamente, olhando para Farrapo e apenas para Farrapo. Encostou-se ao seu lustroso pelo branco. E começou a acarinhá-lo com a cabeça, com o pescoço, com todo o corpo. Brad e Angelina, Romeu e Julieta, Abelardo e Heloísa, todos perderiam para o burro e o cavalo. Porque era amor. O que havia entre eles, genuinamente, era amor.


28 de julho de 2015 | N° 18240 
LUIS AUGUSTO FISCHER

PRIMEIRAS IMPRESSÕES


Climática: o frio gaúcho começa pelos ombros e daí irradia para o corpo todo. Ao menos este frio molhado, inundado, flagelante.

Auditiva: como a gente fala alto! E como há pouca delicadeza na nossa fala! Custava muito acrescentar um “por favor” e um “obrigado”?

Visual: tem muita gente acima do peso. Muita. Uma simples ida ao súper é suficiente para deixar ver a quantidade de gente que poderia ser mais elegante, se se cuidasse minimamente, se caminhasse mais, se comesse menos bobagem. Sei, não é todo mundo que pode emagrecer fácil, mas olhando o conjunto é impressionante a superpresença de gordos e gordinhos, em comparação com a impressão que a Europa proporciona ao olhar desprevenido e leigo, como o meu.

Urbana: sério que ainda não terminaram as obras viárias da Copa do ano passado? Nem as do corredor da Protásio Alves, que não precisam detonar pedras e rochas, mas simplesmente concretar a pista? Alguma explicação?

Política: o que me pergunto é como podem dormir em paz os agentes públicos com essa paralisia. Um ano inteiro e na Carlos Gomes os mesmíssimos cones laranjas marcando o início iminente de uma obra que ainda não iniciou. Sinto vergonha, bem isso, vergonha.

Ética: o Brasil, que inclui, por menos que se goste, o Rio Grande amado, é o país da impunidade geral. Peguemos o caso do corredor da Protásio: por que ele não foi concluído, nem digo para a Copa do ano passado, mas enfim concluído em algum prazo razoável?

Municipal: não estou falando do prefeito ou de algum secretário, mas de todos os agentes com ação pública. Digamos, não sei se foi o caso concreto, mas digamos, para argumentar, que a empreiteira que ganhou a demorada, minuciosa, a hipoteticamente perfeita licitação falhou na execução. Ela foi punida? Se não foi, por que não foi? Alguém tinha que ter agido e não agiu para puni-la? Ou foi a lei branda que permitiu empurrar tudo com a barriga? E, no caso de lei branda, com dormem em paz os deputados ou vereadores que a legitimam?

Estética: “A mim já me bastava que o prefeito desse um jeito na cidade da Bahia”, cantava o Caetano Veloso uns anos atrás. Seria um começo.