segunda-feira, 5 de setembro de 2011



05 de setembro de 2011 | N° 16816
KLEDIR RAMIL


Dupla de um

Em toda a minha vida profissional, como integrante da dupla K&K, tenho cumprido corretamente meus compromissos com a nossa agenda de shows. Quer dizer, teve uma vez em que eu fui, mas não cantei.

Estávamos vindo de Nova York, cansados, e nem deu pra passar em casa. Fizemos conexão em São Paulo e seguimos para Brasília. O avião estava uma geladeira. Às vezes, a sensação que me dá é que certos comandantes acendem uma lareira na cabine e esquecem os coitados lá atrás no freezer.

Chegamos a Brasília, tomei um banho e fui para a apresentação, no Parque de Exposições. O Planalto Central é seco, vocês sabem, tipo deserto do Saara. Entre o frio do avião e a secura do calor do Cerrado, a garganta não aguentou: terminei o show completamente afônico. Tudo bem, não fosse meu compromisso no dia seguinte, no Rio de Janeiro.

Acordei sem voz. Pegamos mais um voo gelado. Chegamos ao aeroporto do Galeão e fomos correndo para o local do show. Pelo menos conseguiram entender meus gestos e desligaram o ar condicionado da van.

Chegando ao teatro, nossa empresária me apresentou ao contratante como “fisicamente incapacitado”. Eu não conseguia emitir nenhum som. Sugerimos cancelar o espetáculo, mas o cara pediu “pelo amor de Deus” que fizéssemos qualquer coisa, do jeito que desse. “Um canta e o outro dança.” O público estava aguardando, impaciente.

Sem poder falar, escrevi um texto de apresentação e passei pro nosso produtor, que foi até o microfone e anunciou: “Kleiton & Kledir, o maior quinteto do mundo. Um quarteto extraordinário. É o único trio que atua com uma dupla de um”. Ninguém entendeu nada. Mesmo assim, soaram os aplausos e começou o espetáculo.

Eu entrei mudo e saí calado. Kleiton cantou sozinho o tempo todo. Fiquei tocando o violão, quieto no meu canto, como se fosse mais um músico da banda. Não precisei dançar. O show foi um sucesso, o público cantou junto o tempo todo. Ou seja, não fiz a menor falta. Minha autoestima foi lá embaixo.

Dias depois, encontrei um amigo que estava na plateia e me cumprimentou pelo espetáculo. Quando comentei que, infelizmente, naquele dia eu estava sem voz e não pude cantar, ele disse que nem havia notado, que o show tinha sido ótimo. “Aliás, o melhor show de Kleiton & Kledir em toda a minha vida.”

Minha autoestima que já estava no chinelo, entrou em colapso. Comecei a ter palpitações, a pressão subiu e tive que ser internado às pressas. Acho que vou precisar de acompanhamento psicológico.

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