quinta-feira, 1 de setembro de 2011



01 de setembro de 2011 | N° 16812
LETICIA WIERZCHOWSKI


Um desabafo

Se eu fosse o governador do Estado, ou o prefeito de Porto Alegre, teria vergonha de deitar a cabeça no meu travesseiro e dormir. Eu teria muita vergonha. Perdeu-se completamente o controle da violência por aqui.

É mais fácil você cruzar com um ladrão do que cruzar com um policial nas nossas ruas. É mais fácil você ser pego numa blitz porque esqueceu de pagar o IPVA do seu carro, do que o Estado recuperar o seu carro depois que ele caiu nas mãos dos ladrões.

Eu teria vergonha, se fosse o governador, ou o prefeito, porque hoje é mais fácil roubar um carro do que pagar os impostos em dia. O Estado deveria ter vergonha, mas não tem. E, enquanto isso, nós, cidadãos, estamos imersos na doença coletiva do medo. Medo de andar de carro à noite, de estacionar nas ruas da nossa cidade, de levar as crianças presas à cadeirinha no banco traseiro. O medo é um bichinho terrível, vai corroendo a alegria. Vai deixando as suas marcas.

E, hoje, somos obrigados a apresentar o medo às nossas crianças: é preciso ensiná-las como agir no caso de um assalto, é preciso apressá-las na rua e imiscuir nas suas alminhas o vergonhoso hábito da desconfiança do outro.

Semana passada, enquanto eu estacionava o carro em frente à escola do meu filho, um pai foi assaltado à mão armada. Dois homens apontaram um revólver para o homem em frente à pré-escola. O portão ainda não tinha sido aberto, mas me ponho a imaginar como tudo teria acabado se o incidente ocorresse 10 minutos mais tarde, com as crianças correndo por ali.

Naquele dia, a coisa acabou com um pai assustadíssimo, sem carro e sem seus pertences pessoais, e com a chegada bastante tardia da polícia (sim, todos sabemos da carência de efetivo e dos baixos salários enfrentados pela Brigada Militar). Depois desse episódio, a direção se viu obrigada a rever o seu sistema de segurança, e talvez contratar mais um funcionário que vigie o entorno da escola, porque todos estamos alarmadíssimos – mais uma vez, o privado precisa fazer o papel do poder público.

E agora, na saída das aulas, os pais não mais conversam, as crianças não podem mais brincar pela calçada, e adeus passarinhos e cães da redondeza: é preciso entrar rápido no carro, dar a partida e correr para dentro de casa. Lá se vai a alegria de mais um momento dos nossos dias… Na turma do meu filho, há um menino estrangeiro. A família veio da Alemanha há alguns meses, e estão sendo devidamente apresentados à violência.

À porta da sala, semana passada, essa mãe alemã me disse: “Nós não estamos acostumados com isso”. À violência, eu lhe respondi, ninguém se acostuma. Mas voltei para casa envergonhada. Envergonhada do medo estranhamente novo que vi nos olhos daquela mulher. E de quem é a culpa? A culpa é do Estado.

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