terça-feira, 7 de junho de 2011



07 de junho de 2011 | N° 16723
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Fome escrita

Leandro Sarmatz lançou uns meses atrás um excelente livro de contos, Uma Fome (editora Record). Que o Leandro é talentoso, não resta qualquer dúvida. Nos conhecemos há uns vinte anos, ele ainda um garotão, estudante de Jornalismo, e já talentoso.

Temos, em nosso currículo compartilhado, alguns feitos que me dão muito orgulho, como a primeira cobertura diária da Feira do Livro em jornal, o que fizemos, junto com outros parceiros (como Airton Tomazoni, Cida Simões e outros), na Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre. Já então o texto do Leandro era o que é: seguro na forma, inventivo no espírito, irônico por dentro e por fora.

Depois o Leandro trabalhou aqui na Zero; saiu da cidade e emprestou sua verve à revista Superinteressante; também em São Paulo teve uma experiência excelente no mundo editorial de livros; mais recentemente dirigiu a revista Vida Simples, e agora voltou ao mercado editorial, para tarefa das mais elevadas culturalmente, coordenar nova edição de um dos maiores poetas do português.

Coisa para poucos capazes, e entre os poucos o Leandro, right man in the right place. Escreveu também para teatro e publicou um duro livro de poesia, chegando agora ao conto.

Novidades? Algumas. A primeira é que neste precioso livro o tema judaico assume o primeiro plano, não como um peso ou um programa, mas como matéria-prima mesmo. Conhecendo essa tradição pelo lado histórico e pelo literário, Leandro toma desse barro para inventar mais, escrevendo, a exemplo dos melhores autores de nosso tempo, mediante embaralhamento de ficção e verdade, falseando o ponto de vista narrativo e dando por vezes a impressão de que lemos não ficção, mas história direta.

Mérito grande, que tem talvez como um dos guias o grande W. G. Sebald. Mas também estão nas entranhas de sua literatura outros bambas, Kafka, Borges, Salinger, Auster.

Chamará a atenção do leitor a presença grande de figuras já por si duplas, ambivalentes, especialmente atores – a primeira seção do livro se chama assim, Atores, mas mesmo na segunda, Abandonos, há personagens atores, como em Caninos Quebrados.

Mas aparecem igualmente escritores obscuros, roteirista de tevê, artista plástico. O tema da fome, como no clássico conto de Kafka, liga a vida à arte direto. Para eleger dois contos luminosos: Fontini e Uma Fome.

Que livro, prezado leitor. Que livro.

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