segunda-feira, 6 de junho de 2011



06 de junho de 2011 | N° 16722
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Miss May

A muito inglesa Miss May Frances prepara-se para a ópera. É jovem, na casa dos 20 anos. Vai para frente do espelho; escolhe o melhor vestido. Experimenta, dos cinco pares de calçados, o mais vistoso para esta noite que ela prevê inesquecível. É a primeira vez que irá assistir a uma ópera. Será Il Trovatore. May agora vai ajudar os preparativos de Geoffrey, seu irmão engenheiro, que detesta ópera, e por isso não consegue acertar o nó da gravata.

No teatro, tão novo que ainda cheira a tinta fresca, os músicos afinam seus instrumentos, e os cantores exercitam sotto voce escalas inacabadas. O maestro folheia a partitura, à busca das passagens mais complexas da obra de Giuseppe Verdi. Será uma grande noite.

O teatro é elegante, desenhado à moda neoclássica. A fachada harmoniosa coroa-se por um frontão triangular que rompe a profunda horizontalidade do prédio.

A algaravia musical penetra não apenas pelas janelas de Miss May, mas adentra as casas à volta, trazendo um tumulto alegre e esperançoso a seus moradores. Não importa que seja uma ópera trágica: sempre há uma frouxa alegria nas tragédias, quando transcorrem no palco, estamos com boa saúde e digerimos bem.

O lugar: Uruguaiana. A data: 20 de novembro de 1887.

Esta breve ficção foi motivada pela leitura de Cartas de uma Jovem Inglesa na Fronteira de Uruguaiana, com tradução, introdução e notas de Fernando Cacciatore de Garcia, porto-alegrense que, aposentado da carreira diplomática, tem-se dedicado a tratar de temas históricos sobre o passado do Rio Grande do Sul, mas não só: também publica poesia e narrativa, e é artista plástico.

Este livro, em particular, revela outro Rio Grande, escrito pelas palavras de Miss May: apesar de sua visão anglocêntrica e por vezes injusta – para o que o tradutor não cessa de advertir – conhecemos paisagens vivazes, tipos humanos implausíveis, fatos da meteorologia campeira, hábitos gaudérios, flora e fauna da Campanha.

Miss May tinha tempo para escrever cartas: Geof­frey ocupava-se bastante como engenheiro-chefe da construção da ferrovia Brazilian Great Southern. Miss May sabia da importância de suas observações tanto que publicou sua correspondência na Inglaterra, em 1890.

Eis um livro revelador, indispensável para o conhecimento de nossa cultura sulina para além dos clichês.

Quanto ao Il Trovatore, bem, foi apreciada por Miss May – apesar, de como diz, ter ficado com muito sono... Desculpemo-la: talvez não estivesse preparada para esses refinamentos operísticos do pampa.

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