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sábado, 4 de junho de 2011
05 de junho de 2011 | N° 16721
PAULO SANT’ANA
A perda do sentido
Como estou fazendo radioterapia, há mais de 30 dias que perdi o paladar.
Eu creio que, como você, leitora ou leitor, nunca percebi, em 70 anos de existência, que tinha paladar.
Só fui percebê-lo quando agora o perdi.
Estou em grandes dificuldades. Se peço um lanche qualquer, uma empada ou um cachorro-quente, dou só uma mordida e o resto vai fora. Não como nada. Não entra na garganta.
Se peço uma bebida, um refrigerante ou uma batida, não sinto o açúcar, não tem significado qualquer gole.
Tenho uma sensação de rejeição de todos os alimentos.
Logo, emagreci. Porque, ao fim do dia, não comi nem bebi nada.
A vida perde totalmente a sua graça.
E, durante toda a minha vida, só agora o percebo, como tinha graça a minha vida quando eu tinha paladar.
Sendo assim, todos os alimentos que ponho na boca e tento engolir, sem sucesso, são para mim insípidos, isto é, não enviam para o cérebro as mensagens respectivas, o amargo, o salgado, o azedo e o doce.
Em suma, perdi o sabor dos alimentos e das bebidas.
Nunca pensei que, se não pudesse almoçar, jantar ou fazer um lanche, desabariam sobre mim uma frustração e um sofrimento atrozes.
E, se por acaso ouço ao meu redor alguém comentando que vai jantar ou almoçar, fico tomado de uma inveja avassaladora.
Não sei o que aconteceu com minhas papilas gustativas, as receptoras sensoriais do paladar e que se localizam na língua.
O paladar ou gustação é uma função primariamente da língua. Mas também algumas regiões da faringe, local em que foi localizado o meu câncer, além do palato e da epiglote, este último localizado na garganta, emitem para o cérebro mensagens do paladar.
Todas essas minhas regiões foram afetadas. Logo é compreensível que, sob a ação da radioterapia, tenham sido anuladas completamente todas as recepções gustativas que, sei-o somente agora, existiam na minha boca e na minha garganta.
É cruciantemente incômodo para mim saber que durante todo o dia e durante meses não terei mais o prazer de comer e de beber.
Repito que só agora noto o quanto isto é transcendental na existência humana.
Eu sou tão ignorante e inculto em matéria de anatomia, que pensava que a língua só me tinha uma utilidade: falar ou gritar.
Agora é que me capacito de como a natureza é perfeita ao dotar o homem de apetite e paladar, o que o faz alimentar-se e, em suma, viver.
Estou, portanto, deixando de viver uns 80%.
E me dói como um punhal cravado no meu peito a saudade do meu épico espaguete à carbonara.
Mas, segundo meus médicos, meu paladar volta daqui a meses.
E a minha libido, que não volta nunca mais?
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