sábado, 4 de junho de 2011



05 de junho de 2011 | N° 16721
DAVID COIMBRA


Como fazer a coisa certa

Quer ver uma coisa? O melhor da zona era o Catarina. Craque. Podia ter jogado no Grêmio, no Inter, mas naquele tempo os pais queriam que os filhos estudassem, que absurdo. O Catarina era a cara do Zico e jogava igualzinho ao Zico. Só que não era carioca. Era catarina.

O Catarina tinha um domínio de bola, mas um domínio, ela podia vir alta, vir lá do vigésimo, e vir com força e toda torta, uma jaca bichada, e mesmo assim o Catarina esticava aquele pé canhoto dele e fazia a bola dormir. Ela amansava na canhota do Catarina.

Tem isso do canhoto. O canhoto, quando dá para ser bom de bola, é muito bom de bola. E tem que ser canhoto de pé pequeno. O Rivellino tinha pé 37. O Zico, 37. O Palhinha, aquele primeiro Palhinha que jogava com o Joãozinho, o Nelinho e o Jairzinho, pois o Palhinha tinha 37 e meio. Mandava comprar chuteira na Europa, especial para pé 37,5, coisa que só tem na Europa. E o Pelé? Trinta e nove. Como o degas aqui. Pé de rei.

O Catarina tinha pé 38. Pegava a bola pelo meio, ela saía zzzzzunindo e, CATABLUMBA!, só parava naquele lugarzinho da goleira que o Beto Zúqui chamava de cângulo: mistura de canto com ângulo.

Então, o Catarina jogava lá na frente. Centroavante. Ou ponta-de-lança, que nem o Zico. Mas solto lá, perto do outro gol. Onde ficam os bons.

O segundo melhor? O Edu Brittes. Já contei: o Edu era bom em tudo: no pingue-pongue a resposta dele vinha de revesgueio, no gude ele tinha um inhaque tão forte que quebrava a joga dos outros, no três-dentro-três-fora ele nunca ia para o gol, no boco a bolinha dele sempre chegava antes, no taco ele mandava a bola lá para o outro lado da rua, no futebol, bom, no futebol ele não tinha um chute, tinha um coice. Uma vez o Edu rachou um travessão com um pataço.

Onde jogava o Edu? Um pouco atrás do Catarina. Mas na frente, também.

E assim por diante: os melhores lá perto do gol deles, os piores perto do nosso. Aquele ali é muito bom? Atacante. Bom, mas não tanto? Meia. Entre bom e médio? Volante. Vai baixando, até chegar no zagueiro, de regra o pior do time, um grosso que não quer ficar com a bola, quer vê-la de longe. É por isso que o zagueiro, quando perguntam para ele onde ele joga, ele responde:

– Sou zagueirão.

Já viu centroavante responder sou centroavantão? Não responde. Porque não precisa. Se ele é centroavante, todo mundo sabe que ele é bom. O zagueiro precisa afirmar sua virilidade, sua imposição física. Sou zagueirão. Cara de respeito e tal. O centroavante? É só dizer que é centroavante. Centroavante é adjetivo.

Já lateral, bem, é meio constrangedor ser lateral. Outro dia perguntei para o técnico Beto Almeida onde ele jogava, quando jogava. Ele:

– De lateral, mas digo pra todo mundo que era volante, senão vão achar que eu era ruim.

Esses ensinamentos da várzea é que os dirigentes de futebol deviam levar em consideração na hora de contratar. O dinheiro tem que ser gasto com centroavante. Com quem faz gol. Sobrou dinheiro? Compra o segundo atacante. Sobrou mais um pouco? Os meias. A última grana é para comprar lateral, que qualquer um é lateral. Quer fazer um lateral? Pegue ali aquele meia e diga para ele correr pelos cantos. Está feito.

Por isso que é fácil contratar. É só pensar no time de cima para baixo. Não tem erro.

Como é que o Fernando Carvalho construiu o Inter vencedor do quinquênio 2005-2010? Seguindo a regra da várzea.

Lembre-se dos atacantes do Inter nesses cinco anos: Fernandão, Rafael Sobis, Nilmar, Pato, Alecsandro (baita centroavante, já disse), Damião, Walter, Luiz Adriano, Daniel Carvalho, Taison, Iarley e mais os investimentos que não deram certo, tipo Luciano Pedra, Gustavo Papa, Beto Cachoeira, Rodrigo Paulista, Diego e outros menos votados.

Atacantes.

Fernando Carvalho fez o Inter vencedor comprando e formando atacantes.

É assim que se faz.

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