sábado, 4 de junho de 2011



04 de junho de 2011 | N° 16720
PAULO SANT’ANA


Meu canto violado

Justamente agora, que eu estava quieto aqui no meu canto, você me aparece pra me aborrecer.

Você parece que tem o dom de me levar ao padecimento.

Você deve ter prometido a si mesma que, enquanto eu existisse, você me faria sofrer.

E eu agora estava em paz aqui no meu canto e você me surgiu novamente para me transtornar.

Não te quero mal, embora todo o mal que me vens causando nesses anos todos.

Parece ser uma obsessão tua me atormentar e me tirar dos trilhos, me causar desequilíbrio.

Acho que te pautaste sinistramente a, de modo periódico, colocar sobre os meus ombros essa cruz que fabricaste para mim.

Grudaste em mim, te tornaste parte de mim, nefasta, destruidora, incontível, te introduziste em minhas entranhas para me enfraquecer. E parece que, enquanto eu não exalar o último suspiro, tu estarás levando à frente esse mister de me destroçar.

Por que não me deixas só no meu canto a contabilizar o espólio das tuas agressões?

Por que entre cada uma das tuas investidas maléficas contra mim há de restar esse intervalo amedrontador da tua ausência provisória?

Por que a cada sol que nasce sobrevém a ameaça de tu vires supliciar-me aqui no meu canto?

Foste talhada pelo destino para me inquietar e me fragilizar. Notaste já que há muitos anos não me trouxeste até aqui no meu canto nenhuma notícia boa?

Como podes ser tão maldosa durante uma vida inteira?

Evidentemente que teu propósito é o de vingança. Mas é que o mal que eu te tenha feito, porventura, por menor que seja do que o bem que eu já te tenha dirigido, torna-se insignificante perto da devastação que tu insistes em me causar.

Só podem ser a vingança e o ódio os móveis dos teus ataques. Mas por que terão de durar por toda uma vida as tuas hostilidades?

Quando, ontem, invadiste o meu canto, onde eu pensava sossegado, cheguei a sonhar, sem nenhum sentido, que tu pudesses estar me trazendo um gesto de compaixão ou de arrependimento.

Que nada, era outra bordoada.

Se eu não tivesse com as mãos amarradas, por certo já teria cometido a loucura de revidar.

Só não a cometo porque sei que isso me levaria a um sofrimento maior do que aquele a que me levam teus prosseguimentos.

Foi o destino certamente que te colocou como pedra dura e intransponível no meu caminho.

Eu te declaro vencedora: é que finalmente prefiro a morte a que apareças novamente a tisnar o meu canto sossegado.

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