sábado, 3 de abril de 2010



04 de abril de 2010 | N° 16295
DAVID COIMBRA


Caras que jogam com a mão

O Ambrósio, uma vez, botou a calcinha da irmã. Foi o Lasanha quem viu. Estavam os dois jogando botão no apê da mãe do Ambrósio, e o Ambrósio foi lá dentro e voltou vestido só com a calcinha branca de rendinha da Sueli, a irmã dele se chamava Sueli.

Aquele baita alemão, goleiro que saía do gol berrando feito um huno, de calcinha. Rendada. O Lasanha ficou parado de boca aberta, o puxador de três camadas na mão esquerda, a ficha na direita. Aí o Ambrósio falou:

– Sabe, Lá, eu queria ter nascido mulher.

E mais não disse. Foi para o quarto de novo e, ao retornar, estava composto com Calça Lee e camisa de física. Durante todo o interregno de uma ida ao quarto e outra, o Lasanha não se mexeu. O choque o paralisou. Mas o que deixou mais chocado mesmo foi que o Ambrósio o chamou de Lá. Nunca imaginou que um goleirão fosse chamá-lo de Lá.

O Raimundão entrava em campo armado. Armado mesmo. Um trezoitão. Um sujeito como ele, que tinha dois metros de altura e usava bigode, não precisava andar armado. Mas o Raimundão andava. Pisava na grama da grande área todo fardado de goleiro, que era goleiro: meião preto, camisa de manga comprida preta, calção preto, naquele tempo goleiro só vestia preto. Debaixo do sovaco, a capanga preta.

Todo mundo sabia o que dormia na barriga da capanga: o trezoitão. Os dois times ficavam olhando para aquela capanga. O Raimundão ia para dentro do gol e a acomodava no fundo da rede. Depois se virava para o campo e conferia o ambiente. A turma desviava o olhar. Goleiro de bigode é goleiro de respeito.

O Zoreia jogava narrando o jogo. Falava o tempo inteiro, sem parar. Era um goleiro baixinho, mas acrobático. A bola vinha, ele saltava que nem uma aranha e berrava:

– Zo-rei-a fe-nô-me-no!!!

Curioso: a orelha dele não era grande. Virou Zoreia porque estava sempre usando uma camisa do Topo Giggio, aquele ratinho italiano que cantava meu limão, meu limoeiro.

O Languiça era magrinho, magérrimo, donde Languiça. Um magricela invocado. Só jogava no gol no futebol de salão. Uma temeridade: naquele tempo, a bola era bem mais pesada. Foi o Languiça quem levou aquela bolada exatamente no entrepernas.

Caiu sentado, e a bola bateu ali. Era um chute do Ricardinho. O Ricardinho chutava forte. Bem. O local magoado começou a inchar, a inchar, daqui a pouco estava saindo pelas pernas do calção do Languiça, ele vendo aquilo e arregalando o olho e uivando de desespero. Todos ficamos assustados, aquele troço parecia a bolha assassina, só que com pelo. O Languiça foi levado para o Postão. Dureza ser goleiro, naquela época.

O Moreira era goleiro do nosso time aqui da Zero. Ele está sempre lendo. No gol, lia também. Aproveitava quando o time dele atacava, se encostava na trave e lia. De repente o adversário tomava a bola e o pessoal:

– Pô, Moreira!!!

O Moreira se afobava todo. Um dia defendeu uma bola que ia no cângulo, mistura de canto com ângulo, botando para escanteio com uma brochura de “O Nariz”, de Gogol. O juiz não marcou pênalti em deferência à literatura russa.

O Chico tinha mania de ir ao cinema. Ia a quatro, cinco sessões por dia, deixava a namorada em casa. Um dia a namorada cansou e, tziu, foi-se. O Chico entrou em depressão. Não comia mais, de tristeza.

Era um negão de metro e noventa e 130 quilos. Foi emagrecendo, perdeu 48 quilos, ficou estranho, parecia que tinham esvaziado o Chico. Em campo, jogava chorando. A bola passava ao lado dele e ele só suspirava.

As lágrimas encharcavam a área pequena. Um problema para a zaga – não dá para xingar um goleiro que está sofrendo de paixão. Aí o Chico escreveu um livro: “Como Ser Imaturo e Perder um Grande Amor”. Foi uma catarse, o Chico se curou. Os zagueiros agradeceram.

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