sábado, 3 de abril de 2010



03 de abril de 2010 | N° 16294
NILSON SOUZA


O homem que fala sozinho

De perto, ninguém é normal.

Meu vizinho de mesa costuma dizer esta frase sempre que, em nosso ambiente de trabalho, comentamos algum desvio do comportamento humano. E não se trata de uma afirmação sem base científica.

A psicanálise confirma que todos somos neuróticos, uns um pouco mais, outros um pouco menos e alguns até muito mais do que seria desejável, como se pode constatar no trânsito em qualquer avenida movimentada da Capital. Mas a maioria de nós, felizmente, pertence à tribo dos loucos mansos, que não é de briga nem agride ninguém. Apenas se deixa levar pela Lua, como as marés.

Somos muitos e, circunstancialmente, divertidos. Só no percurso de três quilômetros que costumo trilhar todas as manhãs, encontro pelo menos meia dúzia de tipos extravagantes. Entre as minhas manias está esta, de caminhar pouco depois de acordar.

Antes que os leitores mais generosos digam que o exercício é uma atividade saudável – com o que concordo –, quero confessar que dia desses inventei de contar todos os passos do trajeto. Foi um exercício mental meio insano, as pessoas me cumprimentavam e eu não respondia para não perder a conta.

Mas voltemos aos outros. Um desses indivíduos conversa sozinho, o que talvez não seja tão estranho assim num mundo de solidão tecnológica em que as pessoas preferem se comunicar com a ponta dos dedos a falar e ouvir. Pois esse homem fala, e fala muito. Discute até. Eleva a voz, parece estar xingando alguém, mas ele mesmo se defende dos xingamentos, argumenta e parece convencer a si próprio de que o diálogo é o melhor caminho. Logo baixa a voz e segue conversando suavemente com seus fantasmas.

O curioso é que silencia quando cruza com outra pessoa. Só consigo ouvi-lo por mais tempo quando o acompanho sem ser percebido, como aqueles homens-sombra que imitam transeuntes nas ruas.

Se ele se dá conta de que está sendo seguido, cala-se em seguida. Nunca sorri. Pelo que já pude ouvir de seus diálogos solitários, só fala de coisas sérias. Outro dia agucei o ouvido e captei um intrigante questionamento:

– Por que não cala a boca? Por que não cala a boca?

Pena que não pude ouvir a resposta. Fiquei tão curioso, que me deu vontade de contar os passos da caminhada de novo.

Um lindo sábado de Páscoa para você. Continuo na Terra do Erico Veríssimo e retornarei amanhã para Porto

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