terça-feira, 3 de março de 2009



BUSATTO MADE IN USA

Como se diz, quando não tem mais volta, há males que vêm para algum bem. Cézar Busatto já foi um dos pilares dos governos de centro-direita de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul, tendo sido secretário da Fazenda de Antonio Britto, o governador mais neoliberal que um estado brasileiro já teve. Fosse norte-americano, Britto teria concorrido a discípulo ideal de Ronald Reagan.

Derrubado do governo Yeda por causa de algumas declarações gravadas que incendiaram o Caso Detran, Busatto foi passar uma temporada nos Estados Unidos a convite da Universidade de Stanford. Acompanhou a campanha de Barack Obama à Presidência e viu a eclosão da crise mundial. Ao voltar para casa, aparentemente transformado, Cézar Busatto publicou 'Um Voluntário na Campanha de Obama' (editora Coletiva). Um belo livro.

Passar uma temporada no exterior costuma abalar os alicerces de um indivíduo. Na conclusão do seu livro, Busatto dá um salto vertiginoso em relação ao seu passado não muito distante:

'A velha concepção, que vigorou nos últimos 30 anos em que predominou o neoliberalismo, de que os ricos e as grandes empresas deveriam pagar menos impostos para estimular a poupança e o investimento, parece ter caído definitivamente por terra no centro do capitalismo mundial'. Em passagem anterior, refere-se ao 'fim do fundamentalismo de mercado' e compara a 'queda de Wall Street' à queda do Muro de Berlim.

O novo Busatto descreve com entusiasmo e competência a força dos movimentos sociais nos Estados Unidos e destaca o vibrante trabalho de muitas ONGs. Detalha consistentemente as falhas do sistema eleitoral norte-americano, cita o crescimento da pobreza por lá e a existência de sem-teto e sem-saúde.

Deslumbra-se com o envolvimento dos cidadãos em busca de transparência. Ao examinar os principais pontos da plataforma de campanha de Obama, não deixa de citar este item: 'Recrutar mais professores e melhorar os seus salários'.

Exatamente o contrário do que defendem os governos gaúchos, inclusive o atual, que já contou com o trabalho de Busatto. Por aqui, continua a moda de diabolizar os movimentos sociais, suspeitar da idoneidade de quase todas as ONGs, desqualificar como 'barulhentos' os manifestantes e rotular de 'ideológicas' todas as insatisfações organizadas.

Terá sido por isso que, ao voltar dos Estados Unidos, o novíssimo Cézar Busatto aceitou convite para integrar a administração do prefeito petista de Canoas? Eu acredito em metamorfoses.

Vivo mudando. Só não mudo de clube de futebol, pois aí já é falta de caráter. Não duvido das conversões dos outros. Ainda mais quando consumadas depois de um autêntico processo de estranhamento/entranhamento no estrangeiro.

Ou terá Busatto feito uma viagem em busca do tempo perdido da sua juventude de esquerda? Pode ser. Infância e adolescência nunca nos abandonam completamente.

Algum tempo atrás, seria difícil, num desses programas de televisão do tipo 'Quem Quer Ser um Milionário?', responder Busatto à pergunta quem é o autor do livro com subcapítulos intitulados 'Mobilização da Sociedade', 'Conselho de Soluções Cidadãs' e 'ONGs pela Transparência?'.

Como se vê, há crises globais que servem para revoluções locais. Só posso imaginar que o novo Busatto discorda radicalmente dos projetos tecnocráticos e fundamentalistas da dupla Yeda Crusius/Mariza Abreu. Recomendo o excelente livro de Busatto. Vou ler de novo.

juremir@correiodopovo.com.br

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