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quarta-feira, 11 de março de 2009
11 de março de 2009
N° 15904 - SERGIO FARACO
O forro eterno
Em nossa sala, o forro de lambris se assenta em grandes barrotes. Sobre o forro, fez-se o ripamento do telhado. Como o prédio foi edificado em 83, já não lembro se a ausência de um isolante térmico entre as telhas e os lambris decorreu de uma distração do engenheiro ou da pindaíba do proprietário.
O fato é que o sol da tarde esquentava de tal modo o telhado que a sala se convertia na sauna do Diabo. E ano após ano ia entortando os lambris e abrindo frestas entre eles. Em dia ventoso, a poeira cobria todo o mobiliário. Dirá alguém: o que fez o dono da casa nesses anos todos, que não mandou dar um fim a esse descalabro?
Em primeiro lugar, tenho outras e graves preocupações, entre elas o sentido último da vida e o papel que nele desempenham as metempsicoses e o leite condensado. Em segundo, para substituir os lambris era preciso destelhar e não levo muita fé nos meteorologistas – já imaginou se chove?
Em terceiro, sou entendido em serviços domésticos: faço pequenos reparos de alvenaria, sou técnico hidráulico, eletricista, marceneiro, pintor, jardineiro (donde se conclui que só escrevo nas horas vagas), e então bem sei que são cada vez mais raros os profissionais dessas áreas que se destacam pela competência.
E por último, ainda que me doa dizer: qualquer dos serviços mencionados eu faço melhor. Não é gabolice. Todo o talento que me falta na literatura tenho de sobra em minhas mãos. Ao constatar um problema caseiro, minha mulher jamais profere aquele insulto que aniquila tantos maridos: “Chama um homem!”
Enfim, o que eu queria dizer é que decidi enfrentar eu mesmo o forro da sala, sem destelhar a casa. Já comecei. Estou fazendo um segundo forro sob o primeiro e colocando entre eles o isolante térmico. Que serviço primoroso! Que fortaleza!
Que perfeição! Já o levo pela metade e me demoro porque, a cada tanto, desço da escada, acendo um cigarro e fico admirando a obra-prima. E olha só: trabalho absolutamente sozinho, sem que ninguém me alcance uma ferramenta quando estou a 3m do chão.
Tenho tudo planejado: 30 dias de trabalho, dos quais já cumpri a maior parte. E o que é admirável e até pode parecer misterioso: sem ruído, exceto pela serra, que não uso dentro da peça. Em uma semana o forro estará pronto.
Um forro eterno! E que venha o sol com seu hálito febril. Quando eu morrer, o forro me sobreviverá, para testemunhar a paciência, a pertinácia e o vigor de um artista.
Tá bom ou quer mais?
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