quarta-feira, 11 de março de 2009



11 de março de 2009
N° 15904 - PAULO SANT’ANA


Duas Justiças

Ainda martelam o meu espírito os motivos por que a Igreja Católica não aceita o aborto legal, isto é, nas hipóteses em que a vida da gestante esteja em perigo e no caso de estupro.

No caso de estupro, me surge uma luz por um e-mail que recebi do professor Waldomiro Minella, de Caxias do Sul (wminella@hotmail. com).

Ele manda me dizer a respeito do aborto por estupro: “A mãe não aceita um filho resultante do estupro? O problema é que ela não tem poder sobre a vida do bebê. A doutrina cristã pede que não se amem apenas os amigos, mas também os inimigos”.

Faz sentido. É a lógica cristã confrontando-se com a lógica da lei escolhida pelo Estado.

A figura de amar o inimigo também faz sentido. Eis que o filho resultante de um estupro vira um “inimigo” da mãe, que sempre o considerará um símbolo da violência de que foi vítima quando do estupro.

No caso, a Igreja não permite o aborto de feto resultante de aborto porque impõe à gestante que o ame e o acolha. Ou seja, mesmo que o feto ou bebê traga sempre à memória da mãe um fato ultrajante, cabe à mãe superar o trauma e amar o seu filho, que não teve nenhuma culpa na violência de que sua mãe foi vítima e deu lugar à sua concepção. Faz sentido.

E faz sentido porque a Igreja se lança sempre à proteção da vida do bebê, considerando este valor superior à rejeição que a mãe possa ter ao bebê malvindo.

Mas aí eu me pergunto: se a Igreja preza tanto a proteção da vida, por que ela também não permite que se realize o aborto quando ele vier salvar a vida da mãe, em perigo na gestação ou no parto?

É o mesmo leitor que me manda a resposta para a questão: “Para a doutrina cristã, a vida da mãe é tão importante quanto a vida do bebê, a partir de sua concepção. O crime de homicídio é idêntico, tanto na hipótese de se tirar a vida da mãe para salvar o bebê, como vice-versa. Inadmissível é o ato voluntário de matar uma vida para salvar a outra, pois têm igual valor.

No caso específico da menina de nove anos grávida, a equipe cirúrgica interrompeu voluntariamente a vida do bebê para salvar a mãe. O ato seria igualmente criminoso se fosse o contrário, matar a mãe para salvar o bebê. Quem concede esse direito? Só Deus pode tirar a vida”.

Faz algum sentido.

Mas se o leitor tão lucidamente defende o pensamento da Igreja, eu lhe jogaria um bola nas costas: e quando, com a gestação e o parto, correm mais que risco, perigo, simultaneamente, a vida do bebê e a da gestante, não é lógico que se faça o aborto e assim se salve pelo menos uma das duas vidas?

O leitor é tão aferrado ao pensamento da Igreja, que já adivinho como ele responderá: “Deve-se dar curso normal à gestação e talvez ao parto e permitir lugar a que Deus, somente ele, decida em tirar a vida dos dois”.

Foi contra esse pragmatismo inarredável da Igreja que o Estado brasileiro permitiu duas hipóteses para o aborto legal.

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