sábado, 7 de março de 2009



08 de março de 2009
N° 15901 - DAVID COIMBRA


A verdade sobre a vida praiana

Não sou um praiano. Definitivamente. Passei duas semanas às fímbrias do Mar Oceano, no fevereiro que há pouco se esvaiu, até chegar a essa conclusão sobre mim mesmo. Uma evolução.

Sócrates, o feio, Freud, o fumante, e Nietzsche, o bigodudo, já diziam que o mais difícil é conhecer-se a si próprio e, de fato, o que eu mais queria era saber o que quero. Ou pelo menos o que não quero. Ou o que não sou. Isso já descobri: não sou um praiano.

Poderia alegar motivos humanitários para não o ser. Poderia dizer que, parado ali, com os pés afundados no calor da areia da praia, contemplava o Atlântico e, mirando o horizonte infinito, sabia que lá do outro lado estende-se a Mãe África, com seus leões, hienas e crocodilos e os bandos de gnus que alimentam a todos, sim, mas também com seus problemas intermináveis, a fome na Somália, a aids que dizima populações, a guerra fratricida.

Poderia ainda dizer que o ócio improdutivo me agastava ou que sentia saudades do contato caloroso com os leitores ou que achava tratar-se de injustiça, eu de bermudas e havaianas enquanto milhões de brasileiros forcejavam para ganhar a vida.

Mas não.

Meu problema é o desconforto. Para começar, tem o sol. Não que não aprecie o sol. Aprecio. Mas não sobre meus ombros, como diz a música aquela. Gosto do sol quando estou à sombra. Fico queimado com muita facilidade, tenho de confinar-me ao metro quadrado de sombra fornecido pelo guarda-sol.

Só que, Copérnico já ensinou, o mundo gira sem descanso, e a sombra teima em se movimentar na areia da praia. Aí lá vou eu com a minha cadeira. Um metro para trás, mais um metro, e outro, e mais outro. Em uma hora, estou de costas para todo mundo. Irritante.

Alguém vai argumentar que deveria passar protetor. Pois passo. Fator 120, vitaminado. Fico todo melecado, e é melecado que entro no mar, e eis aí mais um problema. As pessoas falam que banho de mar faz bem para a saúde e acaba com o estresse e tudo mais. Certo.

O banho de mar até é agradável, depois que passa o frio, mas, ao sair, sinto-me ainda mais grudento. Sobretudo porque venta e a areia cola ao corpo, e então lá estou eu untado de protetor 120 vitaminado, água salgada e areia, restrito a um metro quadrado de sombra semovente.

Levei anos para descobrir que isso me incomodava. Claro, há os belos corpos femininos malcobertos por roupas sumárias e há o futebolzinho com os amigos. Mas nem sempre há belos corpos femininos malcobertos por roupas sumárias à vista e nem sempre há futebolzinho. Logo, não compensa. Depois de tanto tempo, descobri que a vida de praiano não é para mim.

Descobri que só aturava semanas e semanas infindáveis na praia porque os outros diziam que é maravilhoso e bibibi. Quantas coisas mais faço só porque as pessoas dizem que é bom? Quantas coisas deixo de fazer porque elas dizem que é ruim? Vou proceder uma reavaliação sobre mim mesmo. Tenho perdido tempo experimentando o gosto dos outros.

Quem é bom para quem

As pessoas precisam saber como as outras pessoas vivem. Trata-se de uma necessidade. Assim, pautam a sua própria vida. É uma tranquilidade saber que todo mundo gosta de viajar, dos Beatles e de batata frita. Aí estão três coisas nas quais a gente não precisa mais pensar. Todo mundo gosta, a gente gosta. Pronto.

Há outras coisas que, se não têm a unanimidade dessas três, pelo menos contam com a aprovação entusiasmada do senso comum. Como o cachorro-quente do Rosário, a boca da Angelina Jolie, o cheiro de chuva na grama, morenas claras, loiras douradas, Chicabom, sábados à tarde e, lógico, temporadas na praia. É fácil gostar de tudo isso.

O singular é quando acontece exatamente o contrário. O senso comum aponta para um lado e alguém, premeditadamente, dirige-se para outro. O caso do Grêmio. Formou-se um senso comum de que Celso Roth não pode treinar o Grêmio, mas a direção do clube parece cada vez mais fechada com o treinador. Muito interessante, do ponto de vista sociológico.

Não estou dizendo que Roth é mau treinador. Nem é. Mas sua permanência no Grêmio tornou-se inviável. Luiz Felipe, por exemplo, está a léguas de ser mau treinador. Ao contrário, é o melhor. Mas não era o melhor para o Chelsea, hoje está provado.

E Joel Santana, que quase arrastou o Inter para o pântano infecto do rebaixamento, transformou-se em ídolo inconteste no Flamengo, dois anos depois. Muito relativa essa história de quem é o melhor para o quê.

Celso Roth, agora, tem muitos problemas para trabalhar no Grêmio, alguns urdidos por ele próprio. Todo mundo sabe disso, todo mundo entende isso; a direção do Grêmio, não. Uma inusitada afronta ao senso comum. E, talvez, perigosa. Estou curioso para descobrir como terminará.

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