quarta-feira, 21 de abril de 2010



21 de abril de 2010 | N° 16312
DAVID COIMBRA


Só as mães são felizes

No enterro de sua mãe, dois dias atrás, Roberto Carlos cantarolava baixinho a música que compôs para homenageá-la. Sussurrava tristemente, o Rei, enquanto observava Lady Laura baixar à sepultura:

Só queria ouvir sua voz me dizendo sorrindo:

“Aproveite seu tempo, você ainda é um menino”.

Não cantava para que outros ouvissem. Cantava si próprio. Cantava para ela. Para a mãe morta.

Roberto Carlos, homem feito, 69 anos de idade, de certa forma celebrava aquele que, segundo Freud, é o amor mais poderoso que existe: o amor da mãe pelo filho homem. Um amor incondicional, que se justifica por si mesmo. Não é à toa que Cazuza cantou que só as mães são felizes.

Só as mães são felizes porque, aconteça o que acontecer, seja o filho quem for, o amor delas sempre se justifica. É um amor que independe do objeto amado. Que dispensa até a reciprocidade.

Por que você tem filhos?

A primeira, mais aceita e mais visceral razão é porque, assim como arde em você a ânsia reprimida por desistir, por terminar com tudo isso e por, enfim, deixar-se envolver pelo que chama de “descanso eterno”, ao mesmo tempo que você anseia pela morte, portanto, você anseia pela imortalidade.

Você não quer desaparecer sem deixar traço. Você quer que aquele filho tenha um pouco de você, nem que seja um nariz adunco, nem que seja um jeito torto de caminhar. Você quer que, no futuro, alguém olhe para ele e lembre-se que você existiu.

Mas existe outra razão para se ter filhos. A razão das mães, não dos pais. É que no filho você pode despejar o seu amor. Luc Ferry diz que os filhos, depois da

Segunda Guerra, substituíram as ideologias e as religiões como motivo dos homens para existir. Está certo. Hoje, pelo menos no Ocidente, ninguém morre pela pátria, hoje ninguém se imola pela fé. Mas pelos filhos há quem cometa qualquer sacrifício.

Sei de gente que tatuou o nome do filho na pele, o que, de certa forma, é o oposto de quem coloca no filho o seu próprio nome. Quem batiza o filho com seu nome é embalado pelo sentimento de imortalidade, um sentimento paterno. Quem tatua o nome do filho em si mesmo decide viver pela vida do filho. Feito uma mãe.

As pessoas passam a vida buscando onde derramar o seu amor. No século 20, descobriram o amor de mãe. Descobriram que só as mães são felizes. Outras, que não são mães, viram-se num impasse: as religiões e as ideologias estavam falidas. O que fazer?

A saída se deu através das demandas modernas: a ecologia, a prática de esportes, a defesa dos animais e, o que é mais evidente, os clubes de futebol. Ouça as canções das arquibancadas. Falam em amor até a morte, falam em orgulho e em entrega incondicional, como se falassem de uma crença, de um dogma. Ou de um filho.

Tudo ilusão. Os filhos, a religião, as ideologias, o trabalho, as drogas, o esporte, a bebida, o amor romântico, o sexo e os clubes de futebol, nada disso, isoladamente, dá sentido a uma vida. Tudo isso, junto, talvez dê.

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