sábado, 24 de abril de 2010



25 de abril de 2010 | N° 16316
DAVID COIMBRA


Marcela, a leviana

Brás Cubas, embora morto, já que narrava sua história a partir do negror da tumba, foi personagem imortal de Machado de Assis. Pois Brás Cubas, quando vivo, e bem vivo, envolveu-se com Marcela, espanhola tão bela quanto leviana.

Como sói acontecer com os homens, quando eles se envolvem com mulheres belas e levianas, Brás Cubas deu-se mal. Depois de ter sido abandonado pela cachopa, desabafou, num suspiro de dor:

“Marcela amou-me durante 15 meses e 11 contos de réis”.

Não se poderia dizer o mesmo de certos jogadores? Quando chegam, eles amam, eles beijam o escudo do clube, falam dessa torcida maravilhosa.

Em campo, a bola vai sair para a lateral, eles sabem que não a alcançarão, mas se atiram de carrinho na direção dela, vão deslizando pela grama, vão arrancando leiva, e as arquibancadas estremecem de paixão. O torcedor vê neles a garra, a alma guerreira que tanto preza.

Passam-se, porém, menos do que os 15 meses de Marcela e vem alguém e lhes oferece pouco mais do que 11 contos de réis. Não precisa ser um espanhol, um italiano. Pode ser qualquer croata, qualquer ucraniano, até um árabe, não importa, o que importa são os contos que eles agarram com idêntica gana com que dão carrinho atrás da bola perdida, e bandeiam-se para outro clube e lá beijam escudo e chamam a torcida de maravilhosa.

Levianos como Marcela, é o que são.

Promiscuidade

Segunda-feira, durante a nossa fremente reunião de pauta, espocou um assunto: no Gre-Nal deste domingo deve haver apenas um gaúcho em campo: Bolívar. Nenhum dos outros jogadores viveu desde a infância a rivalidade Gre-Nal. Isso influenciaria no clássico? A maioria dos colegas achou que não, que hoje todos os jogadores são profissionais e que se comportam com a mesma frieza em qualquer partida. Durante a semana, ficou provado que sim.

Leandro, jogador do Grêmio, não contente em tão-somente ser conselheiro de Walter, centroavante do Inter, emprestou seu apartamento para Índio, zagueiro do mesmo Inter. O que ele faz pelos jogadores do Grêmio não se sabe, mas os colegas colorados estão bem servidos. Inclusive na outrora sagrada semana do Gre-Nal.

Como a torcida do Grêmio vai receber Leandro no jogo de hoje, depois de toda essa promiscuidade? Se Leandro fosse daqui, se tivesse crescido no bolor da rivalidade, saberia que um jogador do Grêmio não é inimigo de um jogador do Inter, mas será sempre o seu principal adversário. Saberia que um fracasso em Gre-Nal pode significar o fracasso de um jogador no clube.

Não saber disso, ou agir como se não soubesse disso, é ser leviano. É ser como Marcela.

Só o que importa

O único jogo que realmente importa, para gremistas e colorados, é o Gre-Nal. Atenção: não é o que mais importa. É o ÚNICO que importa.

Porque os títulos, as vitórias, as derrotas e os fracassos de um só têm relevância quando confrontados com os do outro.

Grêmio e Inter foram campeões do mundo. O que interessam esses títulos para o torcedor do Flamengo ou o do Palmeiras? Nada. Ou quase nada. No máximo, o torcedor de outro clube vai olhar para a Dupla Gre-Nal com uma réstia de admiração.

Mas apenas uma réstia e apenas admiração, nunca inveja, que inveja se tem de quem está próximo, nunca orgulho, que orgulho se sente do que se é dono.

O futebol só existe por isso: para despertar o orgulho ou a inveja. Existe pelos sentimentos fortes, jamais pelos pálidos. Sentimentos ralos como a admiração ou a simpatia não são suficientes para sustentar o futebol.

Por isso, só o Gre-Nal importa. Assim, no fim deste domingo, alguns jogadores serão amaldiçoados, enquanto outros serão glorificados. Porque um torcedor irá para casa com orgulho, enquanto outro irá com inveja. E é só isso, só o orgulho e a inveja, só o Gre-Nal importa.

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