terça-feira, 13 de abril de 2010



13 de abril de 2010 | N° 16304
LUÍS AUGUSTO FISCHER


O provicianismo dos outros

Sábado saiu texto meu no caderno Cultura, aqui da Zero, com comentários sobre o provincianismo do Rio de Janeiro, que não é visível, em regra, porque nos acostumamos a conceber o Rio como o centro, que ele de fato foi por uns duzentos anos, época de que resta um vasto patrimônio, material e imaterial, assim como a pose e os vícios de quem se cevou por anos no melhor.

(Aproveito para esclarecer que o texto foi escrito e enviado ao jornal antes das tragédias da semana passada; o máximo que pude fazer foi acrescentar uma frase, declarando solidariedade para com os atingidos. Mas, pela reação de alguns leitores, deu pra ver que fui considerado de desalmado para baixo.)

Também mencionei o nosso provincianismo, gaúcho, para tentar não levar a conversa para uma visão grenal das coisas, o que talvez não tenha conseguido, dada também a reação de alguns leitores, que me consideraram um exemplar perfeito de provincianismo, por haver cogitado em falar do provincianismo do Rio.

O assunto é perfeito para as armadilhas da ideologia, das distorções, dos mal-entendidos. De minha parte, tenho gasto boa parte da minha energia crítica nesse metiê, o de desvendar o véu de falseamento na visão das coisas que provém – desculpe a frase longa, não sei como diminuir – da naturalização da dominação, seja esta de ordem política, seja de ordem estética, todas ideológicas, por certo.

Para dar um exemplo próximo: semana passada o IEL lançou, em coedição com a Editora da PUC, uma belíssima coletânea de crônicas, tradução de poesias e reminiscências de Theodemiro Tostes, um belo poeta modernista gaúcho, um excelente cronista e memorialista, que é pouquíssimo lido porque o Brasil vive enceguecido por uma visão de Modernismo excessivamente marcada pela vanguarda paulistana, que não tem lugar para poetas oriundos do Simbolismo, como é o caso do nosso Theodemiro.

Em ação aqui, mais uma vez, nosso provincianismo, que não consegue enxergar o valor local não- chancelado pelo centro, neste caso São Paulo.

Sempre me lembro um ensaio de Fernando Pessoa, chamado “O provincianismo português”. Nele, diz o poeta que são três os grandes sintomas do provincianismo, fenômeno que “consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior delas - em segui-la mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz”: primeiro, “o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidade”; segundo, “o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade”; terceiro, “na esfera mental superior, a incapacidade de ironia”.

Este é exatamente o nosso caso, sul-rio-grandense, assim como o caso paulista relativamente a Nova York. Mas não é o caso do Rio de Janeiro, formação cultural cujos traços provincianos só se revelam em crises agudas, como é, e vai continuar sendo, a disputa da grana do pré-sal.

Em geral, porém, o carioca é um egocêntrico parecido com o portenho; o carioca é - na preciosa descrição do Arthur de Faria - aquele sujeito que olha para o resto do mundo e sinceramente não entende como é que os outros não querem ser cariocas, como é que os outros aguentam a vida não sendo cariocas. Um singular caso de provincianismo por excesso, não por falta.

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