Entrelacos

13 de abril de 2010 | N° 16304
MOACYR SCLIAR

A tela e a página

Nesta terça-feira, estou indo para os EUA para uma série de palestras em universidades. Na minha lista de prováveis compras (lista modesta, apesar da valorização do real) figura o iPad, o novo “tablet” da Apple. Esta palavra, “tablet”, já funciona como um divisor de gerações e de cultura. Tablete era uma forma de apresentação de algo comestível. Não mais. O iPad é basicamente uma tela, um visor eletrônico que pode ser usado para várias finalidades.

Meu interesse diz respeito sobretudo à recepção de textos. A propósito, vi na TV uma entrevista com Mathias Döpfner, o big boss do poderoso grupo alemão Axel Springer, proprietário de mais de 150 publicações em 30 países. Segundo Döpfner, a mudança é irreversível: jornais e livros agora serão lidos no iPad e seus equivalentes.

Será? Pense nisso, leitor que agora acompanha estas palavras na sua Zero Hora. Pensemos nisso nós todos. O jornal não é apenas um meio de acesso à informação.

O jornal é parte de uma rotina de vida que começa de manhã, seja qual for a maneira pela qual o recebemos: abrindo a porta da casa ou do apartamento e encontrando ali o exemplar à nossa espera, ou comprando-o na banca ou no jornaleiro no cruzamento da rua. É um objeto concreto, real, um objeto que tem uma história de séculos. E tem uma disposição peculiar.

O jornal, como o livro, pode ser folheado; é como se tivéssemos um contato verdadeiramente sensorial com a notícia, com o comentário, com as imagens. Claro, ao fim do dia, o jornal já era, mas até nisso há uma mensagem: a vida é feita de ciclos que começam e terminam.

A verdade, porém, é que o iPad é mais prático, mais econômico: dispensa papel, dispensa as enormes máquinas de impressão, dispensa transporte.

É um avanço, assim como o livro de Gutenberg foi um avanço em relação ao caro e elitista pergaminho manuscrito. Só que é um dispositivo neutro, impessoal, que jamais terá a conotação afetiva da página impressa.

Por isso, o jornal ainda terá uma longa sobrevida. O que acontecerá depois é uma incógnita. Mas uma coisa é certa: na tela ou na página, a palavra sobrevive. E isso é o que importa.

Não há título melhor para um programa cultural, sobretudo realizado no RS, do que Fronteiras do Pensamento. Para começar, alude, ainda que de maneira indireta, à nossa condição de Estado de fronteira – e viver na fronteira significa partilhar com outros povos e grupos experiências, inclusive culturais; exatamente o que acontece com o Fronteiras.

Em sua quarta edição, o programa traz a Porto Alegre personalidades absolutamente notáveis, como o historiador e antropólogo Carlo Ginzburg, o lendário contestador Daniel Cohn-Bendit, o grande neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, o escritor Mario Vargas Llosa, o crítico literário Terry Eagleton, o economista Eduardo Gianetti. Um verdadeiro tsunami de inteligência. O Fronteiras, que começa a 3 de maio, bota o RS no mapa cultural do mundo.