terça-feira, 13 de abril de 2010



13 de abril de 2010 | N° 16304
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Devagar e com jeito

Tem gente que acha que o universo inteiro cultiva o maior interesse por seus negócios particulares. Eu estava esses dias num restaurante e o cavalheiro da mesa ao lado atendeu o celular como se estivesse no próprio timão de seu escritório.

“Não tem erro” – dizia para todos nós. E para confirmar essa afirmativa discorria longamente sobre números e cifras, promissórias e duplicatas, repartições e varas da Fazenda.

Não pensem que tudo isso tinha aparência de segredo. Bem ao contrário, revelando um sentido apreço pelo som da própria voz, o senhor em questão rivalizava em tom com uma gravação dos Três Tenores, servindo ao vivo uma ópera de suas transações no mercado.

Corta para uma fila. Uma fila é algo abominável, um atentado à dignidade humana. Pois ocorreu que estando eu em um banco, sujeito a esse suplício, fui submetido ao diálogo de uma cliente, que estava algumas posições à frente, com uma filha, ou amiga, ou cunhada.

“A Natércia saiu de casa mesmo?” –perguntava ela. E jurava então que já desconfiava, a Natércia, com aqueles olhos gateados, era uma dissimulada, quem não se lembrava da amizade dela com o empregado do cartório?

Paro aqui. Esses são tão somente dois exemplos de conversas que sou obrigado a ouvir todos os dias, de usuários de celulares. Não são, em absoluto, a maioria. Há pessoas sensatas que ocupam o aparelho para dar um recado, dizer que estão bem, cumprimentar por um aniversário ou por uma formatura.

Mas há os outros, os que confundem o mecanismo com a trombeta do Juízo Final. Bem característicos dessa espécie são os ressonantes. Por essa palavra entenda-se os que não se contentam em falar numa calibragem de altos decibéis.

São repetitivos. Reproduzem para o distinto público o que acabaram de ouvir. “A Anelise se separou do Aldrovando? “. “0 cachorro do barbeiro mordeu o doutor Anacleto?”.

E pronto: toda a redondeza é informada, embora não se interesse a menor que uma Anelise rompeu com um Aldrovando, que o mal-humorado cão do barbeiro atacou um doutor, logo o Anacleto.

Já que temos tantas leis, deveria existir uma determinando normas para o uso do telefone celular. O primeiro mandamento seria: “Só use o aparelho devagar e com jeito, assim como quem faz uma declaração de amor.”

Garanto que a humanidade seria mais feliz e o mundo uma ópera com um final venturoso como o paraíso perdido.

Nenhum comentário: