sábado, 17 de abril de 2010



17 de abril de 2010 | N° 16308
CLÁUDIA LAITANO


Bom dia!

Tenho um vizinho que sofre visivelmente para grunhir um bom-dia quando nos encontramos de manhã.

Eu poderia ficar indiferente, como manda o código não escrito de convivência urbana, ou simplesmente poupá-lo desse excruciante compromisso diário de simulação de simpatia e interesse pelo gênero humano (quase me comovo imaginando quantas pessoas ele é obrigado a cumprimentar ao longo de um dia inteiro topando com vizinhos, colegas de trabalho, conhecidos...,

Uma verdadeira maratona de cordialidades forçadas, quando tudo o que ele gostaria era permanecer tranquilo em seu transe macambúzio). Mas o vizinho azedo não me deixa indiferente. Pelo contrário.

Ele desperta meus instintos mais cruéis de sadismo – o que, neste caso específico, significa ser simpática além do limite da dignidade. Abrir um sorriso de rachar as bochechas, olhar bem nos olhos dele como se eu dependesse daquele bom-dia para respirar e, nos dias em que estou especialmente maldosa, até fazer comentários sobre os jacarandás floridos, a beleza do céu, a luz do outono... Só pra enticar.

Existem cidades em que as pessoas dão bom-dia porque foram bem treinadas para isso, como algumas capitais do Primeiro Mundo, onde a capacidade de demonstrar traquejo nas regras de boas maneiras denuncia a extração social e é quase um teste de DNA da educação que você recebeu em casa.

Há outras, mais tropicais, em que as pessoas se cumprimentam apenas pelo barato da coisa, porque sorrir ou jogar conversa fora com alguém que você mal conhece ou nunca vai ver novamente é mais divertido do que ficar encafifado com os próprios problemas ou com as obrigações do dia a dia. Cumprimentar com gosto, portanto, é característico de quem tem civilização demais, os bem-educados, e também dos que têm civilização de menos, os que simplesmente cultivam a simplicidade da boa vizinhança.

Mas há também as cidades em que dar bom-dia é quase um sacrifício, que são aquelas que se enquadram no meio-termo da urbanização. Já perderam o hábito da cidade pequena de cultivar as miúdas gentilezas cotidianas e talvez nunca tenham tido aquela leveza que a proximidade do mar e as temperaturas amenas propiciam.

E como não têm uma cultura muito rígida de boas maneiras, atributo moldado em séculos de boa educação universal, ficam mais ou menos no meio do caminho, inventando um código de comportamento coletivo que não inclui o sorriso, a gentileza, o dar a vez para o outro carro passar, o suave bem-estar que um bom-dia espontâneo proporciona.

Não sei se Porto Alegre e outras cidades gaúchas se enquadram nessa terceira categoria, mas fiquei pensando sobre o assunto quando soube que o programa Casseta e Planeta lançou a campanha “Dunga, dê pelo menos bom-dia!”. Não sabia que o Dunga era ruim de bom-dia, mas essa descoberta, somada à lapidar frase que o Marcelo Dourado disse em uma entrevista depois de sair do BBB (“A gente, como povo gaúcho, às vezes, não é compreendido por a nossa cultura ser mais ríspida. As pessoas confundem nosso jeito sincero, curto e grosso de ser, com alguma coisa ruim”), faz a gente pensar: estamos condenados mesmo a sermos conhecidos como o povo mais “curto e grosso” do país?

Pô, Dunga, dá um bom-dia aí. Quem sabe o meu vizinho não se inspira também?

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