segunda-feira, 19 de abril de 2010



19 de abril de 2010 | N° 16310
KLEDIR RAMIL


Autobiografia – A Fase Escolar

Desiludido com aquela paixão mal resolvida, eu, até então uma criança saudável, entrei em depressão profunda e comecei a beber. Comecei com Guaraci, Grapette e terminei viciado em Q Suco. Vermelho. Q suco era uma bebida açucarada que a gente identificava pela cor e não pelo sabor.

As coisas do coração haviam me destruído e eu ia para a escola rastejando. Até o dia em que me dei conta, na sala de aula, de que se eu olhasse para os lados em vez de olhar para a frente, iria encontrar matérias muito mais interessantes.

Me apaixonei por joelhos, cabelos e merendeiras. Eu não sabia distinguir muito bem o animado do inanimado. Aos poucos fui descobrindo a poesia que há nos movimentos do corpo feminino.

Me dediquei então à vida escolar como um franciscano, sem muito sucesso. Tirei zero em História naquele final do ano. Eu não conseguia entender a diferença entre Idade Média e Renascimento. Misturei alhos com bugalhos e fiz uma salada tão grande que a professora mandou que eu me retirasse de sala para respirar um pouco. Ela, não eu.

A apresentação do trabalho de fim de ano era a critério de cada aluno. Eu havia escolhido falar sobre os períodos da História, apesar de ser um assunto que só seria tratado no ginásio, anos depois.

Minha apresentação foi em forma de uma montagem teatral. Peguei uma capa de espadachim que meu irmão mais velho havia usado no Carnaval de 58 e uma coroa com pontas de folhas de abacaxi – que mais parecia o chapéu da Carmen Miranda – e criei personagens que misturavam a História da Humanidade com minha história pessoal.

Era um texto visivelmente inspirado em Shakespeare, com a profundidade necessária ao tema e intencionalmente descuidado no quesito realidade. Afinal, era uma alegoria, um delírio. Uma manifestação artística e não uma monografia acadêmica.

A professora ficou horrorizada com minha falta de rigor histórico e cronológico. Eu não estava nem aí para rigores históricos. Aquilo era uma explosão de criatividade artística, e aquela fulana lá, preocupada com datas, locais, nomes e sobrenomes. Tem gente que não tem sensibilidade mesmo.

Me senti sufocado pela pressão da estrutura escolar e ao mesmo tempo radiante com a possibilidade de uma carreira artística. Minha apresentação tinha feito enorme sucesso entre as garotas da sala e passei a ser tratado como uma celebridade. E chamar a atenção das garotas era o que interessava.

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