sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020



07 DE FEVEREIRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

Bravata federal

Beira a irresponsabilidade o gesto populista do presidente Jair Bolsonaro de desafiar os governadores a eliminarem o ICMS sobre combustíveis como condição para que o governo federal faça o mesmo e os preços de gasolina e diesel possam cair significativamente. Seria desejável e meritório zerar os impostos sobre combustíveis se o governo federal já tivesse aprovado uma reforma administrativa, extensiva aos Estados, que neutralizasse as despesas correspondentes à receita desses impostos. Mas, ao levar essa hipótese a público sem antes cogitar cortar profundamente as próprias despesas, ela se torna um blefe com sentido eleitoreiro, sem nenhuma contribuição prática para reduzir o custo nas bombas.

O presidente sabe que, sem o ICMS sobre gasolina e diesel, os Estados, já com as finanças degradadas, entrariam em bancarrota. No caso do Rio Grande do Sul, o peso dos combustíveis sobre a arrecadação é de 15,6%. Na Bahia, essa fatia chega a 18,6% e, no Maranhão, a 31%. Ou seja, sem a arrecadação sobre gasolina e diesel e sem uma reforma radical, os atrasos nos vencimentos do funcionalismo se generalizariam e setores vitais, como saúde, segurança e educação, correriam risco de entrar em colapso.

Em vez de gerar um efeito concreto para a queda de preços, a fala do presidente é mais um impulso destinado a causar furor nas redes sociais, aplacar críticas sobre a inação do governo e terceirizar responsabilidades. No caso da gasolina, os tributos federais passaram de 6% em 2014 para 15,5% em 2019 e não há notícia de que o Ministério da Economia aceite abrir mão de receita da União para amenizar o impacto nos consumidores.

Ao jogar para a plateia, Bolsonaro consegue desviar parcialmente o foco de um debate que poderia de fato mexer no ponteiro dos combustíveis. A equação é simples. O preço da gasolina e do diesel é alto porque seus impostos são usados para sustentar parte de uma máquina pública obesa, com excesso de pessoal em muitas áreas, vencimentos fora da realidade nacional, valores de aposentadorias superiores aos de países desenvolvidos, estatais ineficientes e órgãos públicos que não justificam sua existência. Mudar esse quadro exigiria mais do que uma reforma. Seria preciso uma revolução no setor público federal e estadual, com a reconstrução de todo o edifício organizacional dos três poderes e das esferas federal, estaduais e municipais que permitisse uma desconcentração generalizada de impostos.

Na prática, não há ambiente político para se produzir uma reviravolta rápida - basta se verificar a resistência no Rio Grande do Sul a mudanças superficiais em benefícios do funcionalismo para se dimensionar o gigantismo da tarefa de reformar a máquina pública. Por tudo isso, o blefe de zerar impostos por passe de mágica tem apenas o efeito de atrapalhar uma discussão séria e profunda sobre as razões de os combustíveis custarem o que custam no Brasil. O presidente e o governo podem começar a fazer sua parte encaminhando - e defendendo com unhas e dentes - uma reforma administrativa nas hostes federais.

OPINIÃO DA RBS

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