quinta-feira, 1 de setembro de 2011



01 de setembro de 2011 | N° 16812
EDITORIAIS ZH


ATESTADO DE IMORALIDADE

Ao absolver a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), flagrada e filmada recebendo dinheiro de propina do chamado mensalão do DEM, a Câmara Federal passou à nação um verdadeiro atestado de imoralidade.

Sob o pretexto de que o fato ocorreu antes da eleição da parlamentar e acobertados pelo voto secreto, os deputados fecharam os olhos para um delito escancarado e viraram as costas para os cidadãos, que exigem o fim da corrupção na política nacional. Jaqueline preservou o mandato e agora se filia a um grupo considerável de parlamentares abrigados pela impunidade.

Desde 2005, a Câmara abriu processos contra 32 deputados, mas apenas quatro foram cassados. A decisão tomada em plenário na noite de terça-feira, com a anistia concedida à mensaleira, apenas reafirma uma postura que consagra o corporativismo e soterra eventuais indícios de que também o Congresso poderia se submeter a uma faxina.

O argumento para a absolvição contraria o relatório apresentado pela Comissão de Ética da própria Câmara e afronta noções básicas de decoro. Jaqueline defendeu-se com a desculpa de que recebeu a propina em 2006, quando não era deputada, e que o vídeo com o flagrante só veio a público em março último, três meses depois da posse.

Como não conseguiria refutar a prova, buscou o pretexto de que era uma “cidadã comum”. Pois a parlamentar deveria, sim, ser julgada por seus pares pelo delito que cometeu antes de ser eleita. Como observou o relator, Carlos Sampaio (PSDB-SP), o confisco do mandato seria uma reparação aos eleitores que somente tomaram conhecimento do fato quando a deputada já estava empossada.

O que prevaleceu não foi a defesa esdrúxula apresentada pela parlamentar, mas a ameaça feita da tribuna por seu advogado de que a cassação de sua cliente abriria um precedente para que muitos outros também fossem processados.

Tanto que, apesar de ter o apoio de 265 deputados, que rejeitaram o pedido de cassação, contra 166 que se manifestaram por sua exclusão do parlamento, Jaqueline ouviu a voz solitária de um defensor. O gaúcho Vilson Covatti (PP) foi o único a falar em plenário. Por que nenhum dos outros 264 colegas foi à tribuna para endossar a inocência? Os silenciosos estavam protegidos pela votação secreta, que encobriu a identidade dos protetores da deputada.

Explica-se, assim, por que uma proposta de emenda constitucional que acaba com as votações secretas, inclusive quando da cassação de mandatos, está engavetada na Câmara desde 2006. Deliberações sigilosas quase sempre prestam dois desserviços, especialmente em circunstâncias como a da última terça-feira. Ocultam do eleitor os que, por fal- ta de coragem, não expõem publicamente suas posições.

E, ao mesmo tempo, subtraem o direito de todos de identificar os parlamentares comprometidos com a correção no exercício de um mandato.

A preservação da cadeira de Jaqueline Roriz comprova que esses últimos, infelizmente, são minoria. Resta esperar que a Justiça acolha a ação do Ministério Público contra a deputada, por peculato, e repare a complacência da Câmara com os atos indecorosos de seus integrantes.

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