sábado, 4 de junho de 2011



05 de junho de 2011 | N° 16721
MARTHA MEDEIROS


Tóquio fashion week

Muita coisa mudou desde os tempos das cavernas. Do uso de peles de animais para nos abrigar do frio (que hoje quase dá cadeia), passamos para o consumo de grifes que só mudam de logotipo, pois de resto oferecem basicamente a mesma coisa: calças, saias, camisas, casacos. É com esses itens que transformamos o ato de se vestir em um meio de expressão. Ao menos é assim que definimos o conceito de moda.

Pois se o que vestimos é um meio de expressão, os japoneses estão expressando o melhor da vida no seu jeito vale tudo de se produzir. Afora catástrofes naturais esporádicas, o cotidiano japonês é de uma retidão quase monótona, então o jeito é extravasar através do figurino.

A palavra ridículo não existe no glossário fashion de Tóquio. Classifique-os como divertidos, ousados, criativos. Estão todos dentro do mesmo espírito: o de não entediar os outros com um traje que nada inspire.

Uma garota passeando pela calçada é mais que uma garota, é um tratado sobre inventividade. Garotos, idem. A moda masculina é tão valorizada quanto a feminina, e não raro as duas se misturam: a androginia é um estilo levado a sério. É homem ou mulher? Não faz a menor diferença.

O tipo físico da japonesa favorece a elegância, esteja vestida como uma boneca ou como uma lady: quase todas são magras, possuem pernas finíssimas e não têm bunda. Podem não ser o sonho de consumo de homens que enaltecem protuberâncias e curvas, mas nós, familiarizadas com quadris largos, seios fartos, enfim, com as tais protuberâncias, sabemos como uma linha reta pode ajudar a compor um look.

O que elas usam, afinal? Nada que não conheçamos: meias três quartos, saias curtíssimas, saias longas, mangas com cavas quase no pulso e muito salto alto. Usam até galocha de salto alto. E a sobreposição de peças é obrigatória. Não existe saia-e-blusa, existem duas saias sobre legging e três camisas por cima de camiseta, muito enfeite no cabelo (que tem mais de uma cor) e maquiagem caprichada nos olhos: o rímel é o acessório indispensável do make.

Vi algumas aplicando curvex dentro do metrô, com o trem lotado, dá pra acreditar nessa façanha? Misturam renda, lurex, algodão, paetê e o resultado não é um bloco de Carnaval ambulante, e sim algo coeso que funciona, não me pergunte como.

Estou falando dos jovens, claro (a milenar Tóquio parece ter 15 anos), mas mesmo os mais maduros se vestem com despojamento, valorizando o toque pessoal – ah, e os quimonos não foram aposentados. Vale tudo é tudo mesmo, inclusive o 100% tradicional. Raro é ver por lá o 100% óbvio.

Aqui no sul, longe da irreverência dos trópicos (que é onde a moda brasileira se destaca mais), ainda seguimos dicas de revistas e não os próprios impulsos. Nosso “meio de expressão” expressa uma certa preocupação com o olhar do outro, e não com nosso olhar interno.

Acabamos nos uniformizando em prol do bom gosto, sem correr riscos. Não erramos, mas tampouco nos divertimos com o que usamos. Aqui o conceito do ridículo segue firme e forte.

Cada lugar com suas regras, seus códigos. Corremos risco no trânsito, corremos risco ao sair à noite, corremos risco ao deixar uma bolsa pendurada no espaldar da cadeira, vão querer que corramos risco ao nos vestirmos também?

Os japoneses, campeões em compostura moral, ética e social, só correm riscos em frente ao espelho – seja o que Buda quiser! E o que ele quer é que todos sejam livres de condicionamentos e atinjam o Nirvana, nem que seja combinando minissaia de tule com meia arrastão e tênis rosa-choque.

Nenhum comentário: