sábado, 3 de abril de 2010



03 de abril de 2010 | N° 16294
CLÁUDIA LAITANO


Livre para escolher

Uma visita à casa de Anne Frank, em Amsterdã, é uma ilustração prática da tese de que acompanhar um drama individual é a única forma de apreender a verdadeira dimensão de uma tragédia histórica.

O museu tornou-se a homenagem mais comovente aos 6 milhões de vítimas do Holocausto porque nos aproxima da intimidade de uma única menina, transformando aquilo que poderia ser apenas um número nos livros de história em uma dor palpável – com nome, sobrenome, endereço e um sorriso muito parecido com o de qualquer menina de 13 anos que já existiu.

Como não poderia deixar de ser, você sai da exposição de objetos e documentos reunidos na casa embriagado de ímpetos humanistas, sentindo-se muito confortável naquela posição de quem sabe exatamente que tipo de ideias desembocam em regimes que podem chegar a extremos como a prisão de crianças e a execução em massa de inocentes.

Totalitarismo de um lado, direitos humanos do outro, aparentemente tudo muito simples como enredo de filme da Sessão da Tarde.

Mas antes mesmo de sair do museu o visitante é convidado a testar na prática suas convicções e seu comprometimento íntimo com a liberdade e a tolerância. A mostra de vídeos Free2Choose (Livre para Escolher), instalada na saída do museu, é composta por um telão e várias caixinhas com botões vermelhos espalhadas sobre uma pequena arquibancada.

Os vídeos apresentam situações nas quais diferentes direitos individuais, como a liberdade de discurso, a liberdade religiosa e o direito à privacidade, entram em conflito entre si. O botãozinho vermelho é para que cada um dos espectadores vote “sim” ou “não” em relação a dilemas reais já enfrentados por países como França, Alemanha ou Estados Unidos.

O que você pode dizer ou escrever sobre aqueles que expressam diferentes opiniões sem ser considerado discriminatório? Autores que negam o Holocausto deveriam ser proibidos de publicar seus livros? Até onde um governo pode invadir a privacidade de um cidadão no esforço de combater o terrorismo?

O Estado pode ter o direito de determinar os locais em que são usadas vestimentas religiosas? Ao final, um diagrama apresenta não apenas as inclinações ideológicas dos visitantes que estão ali na sala com você naquele momento, mas o conjunto das respostas de todos as pessoas que já passaram por ali.

Um dos temas colocados para votação no projeto Free2Choose voltou a debate esta semana depois que, na quarta, deputados da Bélgica aprovaram um projeto que prevê a proibição da burca, o véu islâmico integral, em locais públicos – um dia depois de o Conselho de Estado francês entregar ao primeiro-ministro um relatório que propõe a proibição do véu nas repartições públicas, mas não nas ruas.

É um caso clássico de conflito de liberdades. Pode o Estado interferir na liberdade de uma muçulmana de cobrir-se dos pés à cabeça? Pode um Estado que defende as liberdades individuais permitir que uma mulher seja coagida a cobrir-se dos pés à cabeça? Não é uma questão simples, mas é uma boa questão.

O reino da fé e o reino material coexistem, nem sempre em conflito. Mas nas situações em que seus interesses se chocam, como no caso das investigações dos casos de pedofilia dentro da Igreja Católica ou na construção de uma plataforma mínima para a coexistência de diferentes culturas, a pior solução é ter medo do problema.

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