domingo, 8 de março de 2009


JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES

Mulheres sem espaço no poder

Enquanto a aprovação popular às mulheres nas atividades públicas cresce, os partidos pouco fazem para se adaptar a essa realidade

MUITAS pessoas perguntam: para que serve o Dia Internacional da Mulher? Serve, por exemplo, para debater o déficit democrático de gênero, o pouco espaço das mulheres nas instâncias de poder e o fato de a presença feminina na política formal não ser proporcional à importância que as mulheres possuem na sociedade.

Elas são maioria da população e do eleitorado, mas só representam 9% da Câmara Federal e cerca de 12% dos assentos nas Assembleias Legislativas. São, aproximadamente, 12% das Câmaras municipais e 9% dos Executivos municipais. O pátrio domínio do Legislativo, que vem desde a origem da República, tem se perpetuado pelos mecanismos da reeleição dos homens e do controle masculino sobre as direções dos partidos políticos.

A exclusão das mulheres da política começou a mudar no dia 24 de fevereiro de 1932. Nesse dia, elas adquiriram o direito de voto por meio de um decreto presidencial de Getulio Vargas. Tal conquista seria impossível durante a República Velha, já que na Constituinte de 1891 o voto feminino foi negado sob o argumento de que seria "um estímulo ao fim das famílias".

Ainda no final do século 19, novos ventos sopravam de regiões distantes. O primeiro país a garantir o direito de voto para as mulheres foi a Nova Zelândia, em 1893. A primeira mulher eleita para o Parlamento tomou posse na Finlândia em 1907. O Brasil, que foi o último país a eliminar a escravidão oficial, não poderia ficar imune a essas novidades nem ser o último a negar cidadania às mulheres.

Todavia, até os dias de hoje, as mulheres não ocuparam um espaço merecido na política. Elas podem sufragar seus irmãos, maridos e outros homens, mas um reduzido número tem conseguido um mandato eletivo. Poucas podem legislar e executar.

Como os descendentes dos escravos afro-brasileiros que conseguiram a alforria, mas não deixaram de ser socialmente excluídos, as mulheres conquistaram a liberdade de escolha, mas não a liberdade de serem efetivamente escolhidas.

Conhecendo essa realidade iníqua, que não é exclusiva do Brasil, a 4ª Conferência Internacional das Mulheres, ocorrida em Pequim, em 1995, recomendou, além de normas jurídicas para o combate à discriminação, medidas e ações voltadas para a promoção da igualdade.

É esse raciocínio que fundamenta as políticas de "ação afirmativa" como medidas temporárias e especiais de proteção a grupos sociais excluídos, visando a promover sua ascensão na sociedade até um nível aceitável de equiparação aos demais grupos historicamente privilegiados.

O sucesso das ações afirmativas e das políticas de cotas fez a participação feminina crescer em muitos países. Contudo, no Brasil, a lei nº 9.504/97, que reserva 30% das vagas para as mulheres, torna-se letra morta ao não obrigar os partidos a preencher a lista com candidaturas femininas. É uma reserva vazia.

Diversas pesquisas de opinião têm mostrado que o eleitorado brasileiro considera as mulheres preparadas para assumir cargos públicos. Contudo, para entrar de maneira efetiva na disputa eleitoral e chegar ao Parlamento municipal, estadual ou federal, é preciso passar por um verdadeiro vestibular que afunila as chances de uma mulher ser candidata bem-sucedida.

E, o pior, nesse "vestibular", os critérios de escolha não são baseados no mérito, mas na lógica da hierarquia partidária. Infelizmente, a maioria dos partidos políticos brasileiros herdou práticas sexistas e abre espaços para as mulheres apenas como "formiguinhas" que trabalham muito nas bases, mas que raramente são aceitas como "companheiras de poder" na hora de decidir candidaturas e ocupação de cargos públicos.

Nesse quadro, temos uma espécie de paradoxo: enquanto cresce a aprovação popular ao desempenho das mulheres nas atividades públicas e o eleitorado se mostra disposto a referendar, no voto, a igualdade de gênero, os partidos políticos pouco fazem para se adaptar a essa nova realidade.

Para o próximo ano, está posta, pela primeira vez de forma competitiva, uma candidatura feminina à Presidência da República. Para além dos posicionamentos político-partidários, é salutar a novidade.

Resta saber se será um fato isolado ou se irá se espraiar para os demais cargos eletivos para que o Brasil saia da lanterninha do ranking mundial da participação feminina na política.

JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES , doutor em demografia pelo Cedeplar-UFMG, é professor titular da Ence/IBGE (Escola Nacional de Ciências Estatísticas, ligada à Fundação Instituto de Geografia e Estatística). Foi vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (2007-2008).

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