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sábado, 7 de março de 2009
07 de março de 2009
N° 15900 - O PRAZER DAS PALAVRAS
| CLÁUDIO MORENO
*Caxangá, o retorno
Se eu comparasse este jornal às cidades do interior que conheci na infância, esta coluna seria o café junto à praça, ponto central em que nós, filólogos amadores, nos reunimos nas manhãs de sábado para conversar sobre o idioma (amador, aqui, vai no sentido original de quem ama uma atividade e sente prazer em exercê-la).
Como minha vocação é mais para o diálogo do que para o monólogo, aproveito, sempre que possível, as achegas que os leitores enviam sobre os temas aqui publicados.
Em certos casos, elas são abundantes – especialmente naqueles artigos em que confesso não ter encontrado uma explicação satisfatória para o uso de alguma palavra ou expressão, como ocorreu com “veado” e, agora, com “caxangá”.
Agradeço aos que escreveram para lembrar a carreira literária do vocábulo, que figura nos poemas O Motorneiro de Caxangá, de João Cabral do Melo Neto (mencionado por Duilio Bêrni) e Evocação do Recife, de Manuel Bandeira (mencionado por Moacir Xavier).
Não poucos informaram que caxangá também aparece em topônimos espalhados por todo o Brasil (é nome de rio, de localidade, de bairro, de avenida, de igarapé, etc.) - mas isso não ajuda a decifrar o enigma dos escravos que “jogavam caxangá”.
Outros, por sua vez, não contribuíram em nada e ainda me fizeram desconfiar de uma leitura muito apressada da coluna anterior, pois escreveram para dizer que encontraram o termo no dicionário e que ele designa... adivinhem! Um tipo de siri ou caranguejo! Boneca Teresa!
Como estamos no café da praça, era inevitável que algum pau-d’água subisse numa cadeira e entoasse, para alegria geral, o samba do filólogo doido. Segundo ele (suspeito que seja um tremendo gozador), “a aparente musiquinha infantil é, na verdade, uma ode ao homossexualismo. A cantiga vem dos acampamentos militares espartanos, conhecidos por incentivar namoros entre os soldados (!).
Jó era um famoso aristocrata (não aquele da Bíblia), amante de Péricles (!)” – e por aí vai ele, derramando uma torrente de asneiras, atropelando, na passagem, toda a obra de Tucídides e de Plutarco. Mas o celerado continua: “O verso Escravos de Jó jogavam caxangá significava que os escravos sexuais de Jó faziam brincadeiras entre eles.
Caxangá, em grego vulgar arcaico [Credo!], era uma dança sensual, vinda da Turquia, em que os órgãos sexuais dos dançarinos se tocavam”. Do “grego vulgar arcaico” eu até gostei, como piada, mas ainda não consegui entender como é que esta sumidade conseguiu juntar a Turquia, Esparta e Atenas no mesmo balaio da História...
Os leitores já devem ter percebido o desfecho disso tudo: o “tira, bota, deixa o Zé Pereira entrar” seria exatamente o que parece ser (entendam Zé Pereira como mais um nome popular daquilo que Luzia levou na horta), enquanto o “guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá” significa que uns ficam passando os outros nas armas – alternadamente, é claro.
Depois do delírio, finalmente alguma coisa de útil: a leitora Inês Sorgato, de Farroupilha, me informa que sua avó, quase centenária, dizia que caxangá era um jogo praticado por pescadores em dias festivos: formada uma roda de jogadores, “um siri era lançado de um para o outro, vencendo aquele que conseguisse ficar ileso até o final, sem ter os dedos ou as mãos feridas pelas tenazes do bicho.
Essa brincadeira era imitada pelas crianças, que jogavam com uma bucha de pano no lugar do siri”. A ideia (que falta me faz este acento!) parece muito plausível, embora nada explique por que este jogo, se realmente existiu, ficou invisível para os etnólogos e antropólogos que descreveram os jogos e as diversões populares do nosso país.
Finalmente (o melhor sempre fica por último), Carlos Tadeu Koetz, que se declara nosso “leitor assíduo”, cansado de encontrar sempre os mesmos significados para caxangá (siri, gorro de marinheiro, etc.), voltou sua atenção para os escravos de Jó e – bingo!
Terminou achando um artigo assinado por Yeda Antonita Pessoa de Castro, especialista em cultura afro-brasileira, que esclarece uma parte do enigma: a letra não fala do Jó do Velho Testamento (o que parecia, realmente, ser uma nota falsa numa cantiga de escravos), mas de njó, palavra do Banto que significa “casa, mais o conjunto de seus moradores”.
Por oposição aos escravos do eito, os escravos de jó – com minúscula, portanto – eram os escravos domésticos, os quais, exatamente por viverem na casa senhorial, foram os agentes que mais contribuíram para a herança africana que todo brasileiro compartilha, seja nos hábitos familiares, na linguagem, na música, na culinária, na religião e, como não poderia deixar de ser, nos folguedos infantis.
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