terça-feira, 6 de maio de 2025


06 de Maio de 2025
CARPINEJAR

Minhas meias azuis de pinguim

Eu coleciono meias divertidas. Gosto de meias coloridas. Meus pés já anunciam a minha gargalhada.

Talvez seja a idade pesando, porque nunca fui tão fã das cores. Eu me converto pouco a pouco num quadro de Henri Matisse. Sigo o seu mantra: "A cor deve ser libertada da realidade".

Só não imaginava que isso pudesse me constranger. Fui treinar na academia com meias azuis, cheias de desenhos engraçadinhos de pinguim. Estranhei o gratuito charme da recepcionista ao fim da minha sessão:

- Vai vir amanhã? - Sim.

- Te espero. E traga seu sorriso junto: ele é muito bonito. Juro que não entendi. Não tinha dado nenhuma abertura. Apenas cumprimentei, como todos os dias.

Mesmo não compreendendo, e principalmente por não compreender, eu me senti atraente e gostoso por alguns minutos. Observava meus reflexos nos carros estacionados enquanto caminhava: será que estou diferente? Será que a musculação finalmente vem surtindo efeito?

A enganosa comoção e a surpreendente vaidade duraram até eu entrar em casa. Minha esposa me olhou dos pés à cabeça, e me xingou:

- Por que saiu de meias azuis? Tá louco?

- Ué, estavam limpas - respondi com a mansidão da ignorância.

Daí ela me explicou: em corridas temáticas, prevalece um código social de cores.

Meia azul = solteiro. Meia vermelha = comprometido. Meia verde = aberto a propostas.

A gíria visual virou moda entre os mais jovens - e escapou do asfalto para qualquer lugar. Inclusive para onde levanto halteres e a autoestima. Não posso nem mais pôr meias impunemente. Pensei que a grossa aliança na mão esquerda já bastava para não deixar dúvidas.

Minha mulher ficou de mal. Não acreditou na minha inocência desavisada. Ela me colocou na geladeira por uma semana. Desprovido de culpa no cartório, de vibrante Matisse eu me tornei um pinguim bicolor, preto no branco.

Sou bem desligado. Nem desconfiei das indiretas e dos flertes. Os sinais mudam com o tempo e avançam as suas fronteiras. No Havaí, num comportamento que continua vigente, se alguém carrega uma flor na orelha do lado esquerdo, mostra-se comprometido e, se pousa o enfeite do lado direito, revela-se desimpedido.

Sempre foi assim. Na Europa aristocrática, de 1750 a 1850, abrir o leque devagar era interesse, fechar rápido era desagrado, e apoiar no queixo, um convite para a conversa.

Nos anos 1970, o recurso também servia às minorias como forma de driblar a censura e o preconceito. Na cultura LGBTQIA+, existia o hanky code, lenços coloridos nos bolsos das calças. Dependendo do bolso ou do tom, você declarava sua predileção, seu fetiche, suas habilidades na cama. Era uma confissão de alcova sem precedentes.

Veio-me à mente que, na minha adolescência, nos anos 1980, havia a moda de dobrar a barra do jeans para indicar que estava solto na pista. A criatividade não tem limites. O vestuário escreve a legenda das intenções do corpo.

Estou agora na frente do espelho me arrumando para um evento, indeciso com as gravatas. Bate um receio de escolher uma cor que signifique algo que não sei e levar nova reprimenda.

É aquela velha história dos casais: apanhar antes de fazer. Não encontrarei mais paz. Será assim com o boné, com o tênis, com o cinto. Os casados não percebem o quanto correm riscos. Vivem perigosamente. _

CARPINEJAR

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