
"Uma paz desarmada e desarmante"
Por que o cardeal Robert Francis Prevost escolheu como nome Leão XIV ao ser escolhido papa é algo que o mundo só saberá se ele próprio revelar. Francisco o fez, tempos depois de eleito em 2013. O Pontífice argentino disse que a ideia veio a partir da recomendação do amigo, o gaúcho dom Cláudio Hummes, que, ao felicitá-lo ao final daquele conclave, lhe teria dito: "Não esqueça dos pobres". Hummes, um franciscano, ajudou Jorge Mario Bergoglio a lembrar de São Francisco, o santo que se despojou de suas vestes e optou pelos esquecidos.
Se o americano escolheu ser o 14º Pontífice com esse nome em referência a Leão XIII, podemos esperar um papa com forte atuação diplomática. Sim, porque o papa, além de líder da Igreja Católica, bispo de Roma, chefe de Estado do Vaticano, é um ator com grande influência geopolítica.
Fim da Guerra Fria
Basta lembrar a contribuição de João Paulo II para a queda da Cortina de Ferro - e o consequente fim da Guerra Fria -, para ficarmos em um exemplo contemporâneo. Leão XIII, além de ter sido o autor da Rerum Novarum, a encíclica mater da doutrina social da Igreja, liderou o catolicismo na transição do século 19 para o 20, um período de intensas transformações políticas e sociais: os Estados papais diminuíam de tamanho, com a unificação da Itália (até ficarem resumidos ao Vaticano), a industrialização avançava, abrindo novas fronteiras, mas deixando alguns caídos pelo caminho, e a Europa gestava, em seu ventre, o ovo da serpente que levaria à Primeiro Guerra Mundial.
Qualquer semelhança com os tempos atuais pode não ser mera coincidência: a inteligência artificial abre um mundo de oportunidades, mas impõe desafios éticos e econômicos; a crise climática ameaça o futuro da própria humanidade; e a polarização - nas famílias e no sistema internacional - ameaça jogar o planeta no abismo de um novo conflito de proporções globais.
Esta é a primeira vez que um americano assume o trono de São Pedro. É uma ironia que o país de Donald Trump, aquele que se autoproclamou papa em uma imagem egocêntrica e infeliz divulgada nas redes sociais da Casa Branca, dias atrás, tenha dado ao mundo o novo papa. Quiçá a Igreja, movida por símbolos, também tenha identificado na figura do cardeal Robert um antídoto contra a arrogância.
Leão XIV, de nome forte, será, sem dúvida, um diplomata. Sua origem americana e a experiência à frente da diocese peruana em Chiclayo podem gerar o caldo perfeito entre o pragmatismo dos EUA e a latino-americanidade da pastoral.
Durante as recentes crises no Peru, um país acossado pela corrupção, ele desempenhou papel fundamental, apoiando a manutenção da estabilidade institucional, enquanto a classe política se liquefazia. Não duvide que esse papa poderá colocar a mão na massa para alcançar a paz na Ucrânia.
Aliás, no seu primeiro pronunciamento ao mundo, ele citou 10 vezes a palavra paz. Mas, em todas as vezes em que a citou, uma ficou martelando na minha cabeça, em meio à Praça de São Pedro exorbitante e o comovente marejar de olhos do cardeal convertido em Papa: "uma paz desarmada e uma paz desarmante". Tão simples e tão complexo. Saúde, Leão XIV! Saúde ao Papa!
INFORME ESPECIAL
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