quarta-feira, 7 de maio de 2025


07 de Maio de 2025
CARPINEJAR

Quem tira a foto também faz parte dela. Sempre há o guardião do acervo da família.

É o único que se preocupa em fotografar as celebrações domésticas, os aniversários, as conquistas profissionais, os ajuntamentos improvisados, as visitas, o início dos namoros, os batizados, as confusões, os entreveros dos almoços dominicais.

É o vigilante da saudade, quem larga a comodidade do momento e reúne os presentes para um registro. Saca a câmera e enfileira seus afetos de um jeito que ninguém fique de fora, que ninguém se esconda na encosta dos ombros alheios ou no morro de uma cabeça, que ninguém suma do foco - ou sequer se distraia para os lados.

- Xis!

É o X do bando, a fixar nas retinas a passagem efêmera dos sentimentos e das interações.

Não é um posto unânime, uma missão desejada. Ainda amarga a erosão da desconfiança. Torna-se alvo das piadas dos mais próximos, pois é identificado como um estraga-prazer, comprometendo a naturalidade da convivência.

O arquivo das alegrias só existe graças à sua insistência. Os porta-retratos dependem do cavalete de sua iniciativa.

Possui o DNA da preservação, antevendo o que deve ser recordado, o que não merece ser esquecido, produzindo relíquias que farão os outros chorarem nos enterros e lutos, nas separações físicas e nos descampados da alma.

Com certeza, a foto predileta da sua infância nasceu dessa percepção. Resistiu no papel porque alguém captou a sua autenticidade e sacrificou o próprio lazer para revelar ou imprimir.

Qualquer família tem esse expoente da resiliência, esse soldado da película, que preenche as lacunas e lapsos pessoais com uma consciência coletiva.

Quando não lembramos os fatos - pois nossa verdade é apenas o que conseguimos lembrar, mais do que aquilo que realmente aconteceu -, lá está um ponto de apoio para a descrição dos detalhes, uma referência para municiar a memória.

Sem a sua direção, protagonistas seriam coadjuvantes, a pressa da felicidade eliminaria os rastros, apagaríamos grande parte de nossa linha cronológica.

Essa pessoa pressente quando a emoção está em alta voltagem, quando a união do lar jamais irá se repetir, e busca congelar uma fatia da torta para ser saboreada na carência da festa.

Ela poderia apenas desfrutar, deixar-se levar pela correnteza da conversa, mas se incomoda com o desperdício da eternidade e não se cansa de oferecer o agora para o futuro - de conservar um pouquinho do passado como se fosse sagrado. É quem pensa por todos, quem sofre por todos, quem expressa a gratidão para diminuir a culpa.

A vida acabaria mais curta se ela não impusesse os seus retratos.

Talvez seja a que menos apareça nos documentos, de tanto cuidar dos bastidores, mas é a que mobiliza o exército e monta o cenário, apreensiva com as distorções, receosa dos acasos.

O que explica que minha mãe seja a figura que menos consta no nosso álbum. A menos assídua. São raras as suas poses. Até parece que era ausente.

Mas basta verificar as datas e os lugares anotados nos versos das fotografias: é a sua letra. Só encontramos a sua letra. Sempre foi a sua letra por trás das nossas imagens. Ela foi a nuvem para o sol despontar, a assinatura nas sombras que mantinha a luz sobre nós. Ela desaparecia para sermos vistos. Para nos enxergarmos décadas depois. Para não nos distanciarmos de nossa essência. _

CARPINEJAR

Nenhum comentário: