
Rubicão eclesiástico
Levei um susto quando um certo Pierbattista Pizzaballa apareceu nas bolsas de apostas para a sucessão do papa Francisco. O motivo do espanto não era o sobrenome que lembra uma telentrega de pizzaria (como bem observou um amigo gaiato), mas o fato de o cardeal de Jerusalém ter nascido em 1965, ou seja, um ano antes de mim.
Teríamos sido colegas de colégio, se por acaso ele tivesse estudado no Rosário, e talvez até bebido nos mesmos bares da Oswaldo, se, vai saber, ele costumasse frequentar a noite porto-alegrense antes da ordenação. A escolha de Robert Prevost, nascido em 1955, adiou um pouco este notável marco histórico - um papa da minha idade - mas não muito. Mesmo sem Pizzaballa, nossa geração acaba de atravessar o Rubicão eclesiástico.
À medida que os anos passam, vamos nos dando conta de que os aniversários, os nossos e os dos outros, são apenas os marcadores mais previsíveis da passagem do tempo. A partir de certa idade, percebemos o adiantado da hora a cada minuto do baile sem precisar olhar para o relógio ou ouvir o galo cantar.
Vemos o tempo passando no repertório cada vez mais alentado de dramas e comédias de que fomos e somos testemunhas e na complexa matemática dos projetos para o futuro que cabem numa expectativa realista de longevidade, mas também nas diferentes versões da cidade que se acumulam na nossa memória, nos artistas que vão e que vêm (para a glória ou para o esquecimento), nas mobílias das casas, nos humores da moda, no mercado das ideias, nos maneirismos da linguagem. Para onde se olhe, há um Carbono 14 anunciando nossa data de fabricação.
As honrarias que costumamos associar com a última cereja sobre o merengue da existência fazem parte dessa lista de sinais. É uma novidade tão velha quanto a Humanidade, mas sempre nos pega de surpresa. Como assim um papa que nasceu com o rock? Como assim uma Nobel de Literatura que não era nascida quando o homem pisou na Lua?
Não é só uma questão de ficar mais velho, o que, no plano miudinho da vida de cada um, já é uma enormidade, mas de começar a projetar, como geração, as marcas da nossa passagem pela História. Agora somos nós os adultos na sala, e a responsabilidade de fazer algo para diminuir a bagunça da casa nunca pareceu tão pesada - e tão inalienável.
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