
Respostas capitais
CEO da Gerdau, grupo siderúrgico gaúcho que tem unidades de produção nos Estados Unidos. "Há queda muito grande de pedidos no setor automotivo"
Como foram os seus últimos dias, com o vaivém das tarifas?
Sinceramente, não mudou nada na minha agenda. Estamos passando por um período de volatilidade e vai continuar assim. O nosso foco deve ser em coisas que temos controle, procurando tirar os melhores resultados, não só financeiros. O que aprendemos ao longo dos quase 125 anos é que os desafios estão presentes e temos de passar e sair melhores do que entramos.
É uma normalidade de quem tem unidades produtivas nos EUA e pode ser beneficiado?
Não, até porque lá também existe muita incerteza. Nossos clientes estão preocupados, estão segurando um pouco os pedidos. Não é bem assim a percepção de que para nós seria bom. Até dentro dos EUA há muita incerteza, muita preocupação. Observamos até questionamentos dentro do próprio governo Trump. No Brasil, temos outras preocupações.
Qual é a interdependência dos negócios da Gerdau no Brasil e nos EUA?
A operação dos EUA é totalmente independente da do Brasil. Temos ligações com Canadá e México. Não só levamos aço de um país para outro, mas nossos clientes, especialmente da indústria automobilística, dependem muito dos três países. Então, o que observamos é que há queda muito grande de pedidos no setor automotivo, porque os EUA não são autossuficientes na produção de veículos.
Houve cancelamentos ou não entram novos pedidos?
É na indústria automobilística que enfrentamos mais dificuldades agora. Cancelamento não teve, mas não está entrando pedido. Nas outras aplicações, para infraestrutura, indústria, o fluxo é normal, nosso backlog (lista de demanda) está forte. O que não podemos, neste momento, é declarar, com maior certeza, que a indústria americana vai acelerar. Há postura de mais conservadorismo, os clientes ainda tentam entender o que vai acontecer.
Como está o pedido do setor siderúrgico para reforçar a proteção no Brasil?
Primeiro, tem uma sutileza que, para mim, é muito importante, que é pararmos de usar a expressão "proteção" e passar a usar "defesa". "Proteção" sugere uma indústria ineficiente, que precisa de subsídios ou apoio do governo. Não precisamos disso. Completamos 124 anos de luta, de busca de competitividade. Conseguimos competir de igual para igual com qualquer produtor de aço do mundo, com qualquer indústria do mundo, desde que existam condições isonômicas. Então, o que pedimos é defesa, não proteção.
Por que é necessária?
A entrada de aço importado chinês no Brasil cresceu da média histórica de 11% para 25% no ano passado. E todos os especialistas têm dito que, provavelmente, com o fechamento do mercado americano e outros, as exportações chinesas vão buscar países em que existe nível menor de defesa comercial. Isso nos preocupa porque o aço de lá que entra no Brasil tem nível muito grande de subsídio do governo chinês. Um exemplo fácil de entender: as produtoras de aço da China compram minério de empresas como a Vale, cujo preço sabemos, e colocam o aço no Brasil a um valor menor do que pagaram no minério. É claro o subsídio. O que estamos pedindo ao governo federal é encontrar mecanismos de defesa que voltem a promover competição de igual para igual.
Em que fase está?
Depois de longo debate com o governo federal, em junho do ano passado foi colocado um mecanismo de defesa comercial que não foi efetivo. Nos últimos 12 meses, não promoveu redução da entrada de importado. O que temos debatido com o governo federal são novos mecanismos ou endurecimento do atual para que volte a uma normalidade. O governo tem sido muito aberto, os debates estão acontecendo de maneira muito intensa. Nossa expectativa é de que, até o final de maio, novos mecanismos sejam colocados. Senão, vamos ter de tomar decisões bastante difíceis, porque não dá para tomar decisões de investimento, não dá para manter usinas operando em uma competição desleal.
Decisões bastante difíceis são hibernar novas plantas?
A primeira decisão será reduzir o investimento no Brasil. Estamos agora com o maior investimento da história da Gerdau, de R$ 3,5 bilhões em uma plataforma de mineração sustentável. Vamos ter de migrar recursos que colocamos no Brasil para outros países, como EUA e México. Não tem para quem vender, vamos ter de tirar capacidade. Pode passar por hibernação, por redução do número de pessoas que trabalham com a gente. É o mínimo necessário.
A discussão da defesa era em cenário pré-tarifaço. No pós, tem de ser mais robusta?
Tem de ser bastante mais robusto. Temos dado sugestões ao governo, que tem suas limitações em legislações, acordos do Mercosul. A questão é encontrar, dentro das possibilidades, tanto por parte das empresas quanto por parte do governo, mecanismos que permitam um nível de defesa maior do que temos.
Em eventual necessidade de hibernação, há plantas mapeadas?
Esse é um tema sensível, mas sempre temos planos para todos os cenários possíveis. Aprendemos nos últimos anos a ter um mapa de risco bem definido, porque o mundo está tão volátil, tão complexo que coisas inesperadas acontecem o tempo todo, e temos de estar preparados. Preferimos, neste momento, mantê-los em sigilo.
A Gerdau se engajou no processo de reconstrução do RS. Que balanço faz desse processo e o que falta fazer no Estado?
Se puder resumir em uma palavra nosso sentimento, seria orgulho. Desde o primeiro dia, colocamos não só recursos financeiros, mas mobilização de todos como poucas vezes vimos na história da Gerdau. Tivemos a possibilidade de estar conectados ao dia a dia, na reforma de escolas, de todas as residências de nossos colaboradores. E temos vontade de fazer mais. Eventos como esse podem voltar a acontecer. Uma contribuição importante é entender como ajudar para que, em caso de novos eventos, o impacto seja menor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário