segunda-feira, 21 de janeiro de 2008



AINDA SOBRE SIMONE DE BEAUVOIR

Que fazer? Em 2008, ainda vamos falar muito do maio do Quartier Latin, do Vietnã e de Simone de Beauvoir. São guerras interligadas. Mas certamente foi Simone quem mais provocou estragos nas linhas adversárias.

Homens do mundo inteiro foram abatidos pelas idéias mortais da mais célebre feminista francesa de todos os tempos. Sozinha, ela representou um Vietnã inteiro resistindo ao machismo ocidental.

Basta dizer que o seu livro mais perigoso, 'O Segundo Sexo', publicado em 1949, antecipou em 20 anos o nascimento do Movimento de Libertação das Mulheres, na França, e em 14 anos o lançamento, nos Estados Unidos, de 'A Mulher Mistificada', obra feminista de Betty Friedan.

Simone ficou conhecida pelo apelido de Castor. Certo é que, seja qual for o sentido desse apelido, ela ajudou a roer as defesas masculinas com suas provocações.

Imaginem o efeito causado pelo texto de uma mulher de 37 anos, ao final da década de 40, ainda sob os escombros da Segunda Guerra Mundial, falando, já nas primeiras páginas, de sensibilidade vaginal, espasmo clitoridiano e de orgasmo masculino? Foi um choque. Orgasmático. Todo mundo queria ler uma tal indecência!

A primeira edição do livro vendeu mais de 22 mil exemplares, uma quantia extraordinária para a época e sonhada, ainda hoje, pela maioria dos escritores.

A revista francesa Magazine Littéraire, a exemplo de quase todas as publicações culturais do mundo em 2008, dedica a Simone uma edição especial.

A entrevista de Elisabeth Badinter, autora, sob a inspiração de Simone de Beauvoir, de 'O Mito do Amor Materno', é reveladora de um olhar acurado: 'Simone é uma heroína, uma conquistadora'.

Elisabeth Badinter escreveu, em 1986, um artigo intitulado 'Mulheres, Vocês lhe Devem Tanto'. A revista Nouvel Observateur, que publicou o texto, preferiu, como gostam de fazer os jornalistas, esquentar um pouco o título: 'Mulheres, Vocês lhe Devem Tudo'.

Parece que, diante do espanto da autora do ensaio, o editor teria explicado que se tratava somente da troca de uma palavrinha. Uma simples questão semântica.

Aos poucos, no entanto, os movimentos feministas começaram a encontrar defeitos no pensamento de Simone. Houve quem criticasse o seu antibiologismo ferrenho. Para ela, conforme a sua mais famosa sacada, 'não se nasce mulher, torna-se mulher'.

Ou seja, tudo é cultural. Não haveria, no sentido metafórico, um DNA do feminino. Era uma maneira radical de eliminar os preconceitos relativos às características negativas da feminilidade.

Curiosamente, há muitas feministas de hoje que defendem o contrário: uma natureza feminina superior. Positiva. Nasce-se mulher. E isso seria vantajoso em relação a ser homem. Parece indiscutível que ser uma mulher inteligente e linda é muito melhor para a espécie humana do que ser um homem qualquer.

Badinter lembra que Luce Irigaray, num momento com certeza de lucidez extrema e de moderação, chegou a defender a constituição de duas sociedades completamente separadas, a dos homens e a das mulheres. A idéia era, sem dúvida, muito boa. Boa parte dos homens assumiria sua parte feminina e lésbica.

O essencial é que os homens poderiam ver jogos de futebol e fazer xixi na tampa do vaso sem ouvir reclamações, o que contribuiria em muito para a civilização do futuro.

Simone está cada vez mais forte entre os homens: não se nasce mulher. Torna-se mulher. Com ou sem cirurgia.

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima segunda-feira e uma excelente semana para todos nós.

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