domingo, 20 de janeiro de 2008



20 de janeiro de 2008
N° 15485 - David Coimbra


Pinte o cabelo!

O Wianey Carlet enfrentou um inclemente e odioso preconceito, no tempo em que pintava o cabelo. Puro provincianismo. Os colegas não percebiam como podia ser divertido e até emocionante aquilo - a gente chegava à Redação e nunca sabia com que cor de cabelo encontraria o Wianey.

Um dia, loiro sueco. Noutro, ruivo rubi. E tinha o "luzes da primavera tcheca", talvez o meu preferido.

Mas as pessoas não queriam saber dessas possibilidades. Não queriam saber de um colega cheio de surpresas estéticas. As pessoas mangavam de Wianey.

Humilhavam-no. Uns o chamavam de a Cher de Viamão, outros perguntavam se no instituto de beleza dele também se fazia depilação pubiana. Isso agora, há poucos anos. Imagine um sujeito pintar o cabelo na década de 70.

Pois houve um homem que chegou a tanto, naquela época. Um homem que desafiou o seu tempo. Paulo César Lima.

Paulo César Lima pintou o cabelão estilo black-power de vermelho-alaranjado, num tom semelhante ao do mogno, acaju, e por isso tornou-se conhecido em todo o país como Paulo César Caju. Era craque, de habilidade congênita e toque macio.

Depois que Pelé foi amealhar dólares no Grande Irmão do Norte, a hierarquia do futebol brasileiro ficou assim: o general quatro estrelas era Roberto Rivellino, o Patada Atômica; com três estrelas, Paulo César Caju; com duas, Ademir da Guia, o Divino.

Só que Paulo César era um manemolente, um mandrião, um indolente, um irreverente, ou seja: um carioca. No Botafogo, jogava no chamado "Time do bagaço", com Zequinha, Jairzinho, Fischer, Ferreti, um timaço, só que todos meio indisciplinados.

Uma vez, numa excursão à Europa, fizeram uma greve, derrubaram um dirigente, mudaram o roteiro do clube, mó escândalo.

A Copa de 74, Paulo César a jogou com enfaro. Já estava acertado com o Olympique de Marselha, só pensava em mudar-se para a França.

Quando o Brasil foi eliminado pela Holanda, naquele 2 a 0 em que Cruyff mostrou que o futebol havia mudado para sempre, Paulo César saiu de campo quase a bocejar. Depois, disse que pouco se lhe dava a desclassificação da Seleção Brasileira, que queria era tomar champanhe de Champanhe. Outro escândalo.

Voltou para o Brasil falando francês, namorando com loiras, vestindo pantalonas, dirigindo Mustangs, dizendo-se playboy, vivendo como playboy. Escândalo, escândalo.

Foi esse jogador que o Grêmio contratou em 1979. Justamente o Grêmio, time do futebol-força, da aplicação, do coração, mais da garra do que do talento. O que é que um carioco, como dizia o Lauro Quadros, ia fazer no Grêmio?

Paulo César fez, e muito. Foi o regente do time, ganhou o Gauchão livrando 13 pontos de distância do Inter, num tempo em que o Inter tinha Falcão, Jair e Batista e que a vitória valia dois pontos. Foi tão bem, Paulo César, que voltou em 1983 para ser campeão do mundo.

Isso Paulo César Caju, um jogador que pintava o cabelo nos anos 70, que segurava a taça de champanhe com o minguinho apontando para o firmamento, que era o mais carioco dos cariocos.

Quer dizer: nada de preconceitos. Roger pode muito bem se consagrar no Rio Grande do Sul e o Wianey pode voltar a pintar o cabelo de loiro sueco, ficava muito bem aquele tom, no velho Wia.

Futebol não é esporte!

Bobby Fischer morreu e explodiu a discussão aqui na editoria: xadrez é esporte ou não? João Saldanha dizia que, no dia em que xadrez fosse esporte, São Jorge ia sair na coluna de turfe.

Tinha razão, o Saldanha. Xadrez não é esporte.

Nem futebol.

Futebol, como o xadrez, é um jogo. Eventualmente praticado por atletas, mas um jogo. No esporte não existe o logro ao adversário, não existe o virtuosismo, não existe a burla psicológica.

No esporte, o imponderável é execrado. O esporte é rendimento, técnica, precisão, o esporte são milímetros e milésimos.

O jogo, não. O jogo é cheio de nuanças implausíveis. O jogo é muito mais cérebro e espírito do que corpo; o esporte é quase só corpo e concentração e quase nada de cérebro. O jogo é mais divertido do que o esporte, porque é mais próximo da vida, que é torta e crespa. O esporte é próximo do ideal, que é reto e liso.

No futebol, um time pode jogar muito melhor do que o outro, pode dominar a partida inteira, pode se comportar com mais correção e "esportividade", e ainda assim ser derrotado. Isso é o antiesporte.

O gol é o antiesporte. No esporte, quem tem mais condições é quem tem de vencer. No jogo, pode vencer até quem tem mais sorte. No jogo, as vitórias não se merecem, se conquistam. No esporte, vitória sem merecimento é derrota.

Se o futebol fosse esporte, a vitória não seria dada apenas ao time que marca mais gols. O rendimento teria de ser avaliado por inteiro: pontuação para escanteio, para bola na trave, para passes certos. Campeonatos por pontos corridos, sem decisão. Em resumo, uma chatice.

Portanto, viva o gol, o craque, o gênio, a decisão, o jogo; abaixo a preparação física, a disciplina, os pontos corridos. Abaixo o esporte!

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