quarta-feira, 23 de janeiro de 2008



23 de janeiro de 2008
N° 15488 - David Coimbra


Três tias tristes

Uma ex-namorada minha tinha três tias. Nada de extraordinário ter três tias, bem sei, mas tratava-se de tias assaz unidas, andavam sempre juntas lá na cidade do Interior onde viviam e, num domingo, após suntuoso almoço, sentiram sono as três ao mesmo tempo, e decidiram fazer a sesta.

Lá se foram as três tias para o quarto e acomodaram-se na mesma e grande cama de casal, pondo-se com ordem e disciplina uma ao lado da outra, de camisola e talvez de touca, os umbigos venerandos apontando para o teto, bem tranqüilas e satisfeitas, quando um raio caiu sobre a tia do meio.

Um raio! Fulminou a tia do meio com enorme estrondo, deixando-a dura e preta, e traumatizou as tias das pontas, que ficaram mudas para sempre.

A minha antiga namorada, quando ela me contou essa história, o fez com extrema gravidade, parecia deveras abalada pelo infausto destino de suas três tias, uma morta, duas mudas, e até entendo o fato de sentir-se realmente triste, inclusive confesso que, se eu mesmo tivesse três tias, e elas se deitassem as três numa única cama, e um raio pulverizasse a tia do meio, assustando de tal maneira as outras duas a ponto de torná-las mudas para todo o sempre, confesso que, se isso houvesse ocorrido com minhas tias, também ficaria chateado.

Porém, no momento em que minha namorada contou-me essa tragédia, por algum motivo, pus-me a rir. Sim. Ri. Mais: gargalhei. Gargalhava.

E, quanto mais olhava para a namorada e percebia que ela se zangava com minhas risadas, mais vontade tinha de rir, e mais ria, e ela mais se irritava, e eu ria, ria, ria, e logo estava rolando pelo chão de tanto rir, chorando de rir, sentindo espasmos de dor na barriga de rir, e minha namorada ficou de mal comigo pelo resto do dia.

Acontecimentos

O que me espanta, nessa situação das tias, é a infração à lei das probabilidades. Qual é a chance de um raio atingir uma tia incrustada entre outras duas tias, todas elas refesteladas numa mesma cama, repousando em inocência?

Alguém, muito sensatamente, diria que as chances são nenhuma, e estaria certo, não fosse a realidade a desmenti-lo.

É o que digo: raios atingem duas vezes o mesmo lugar, apesar das crenças populares e da lei das probabilidades.

Transponho esse ensinamento para um tema que sempre me interessa: os mistérios da centroavância. Estava indagora assistindo ao centroavante Valter, do Inter Jr, atuando na Copa São Paulo.

Dizem ser ele o novo Claudiomiro e, olhando assim, não é que se assemelha mesmo ao velho Bigorna? É forte e retaco, e joga parecido, em velocidade, com habilidade, com oportunismo, usando o corpanzil como parede e proteção.

Seu gol foi um gol de Claudiomiro: recebeu a bola na área, dominou-a, acossado por um zagueiro, e, no instante em que esse zagueiro tentou deslocá-lo com o braço, Valter, ao invés de se desestabilizar, serviu-se do adversário como alavanca e referência: firmou o pé na grama, girou e bateu cruzado, de canhota. Gol. Golaço.

Valter, como todo bom centroavante, é meio time, mais que meio time. O Inter Jr não precisa jogar, precisa só se defender e atirar a bola para o ataque.

Ontem foi assim o tempo inteiro: da intermediária de defesa, os jogadores do Inter mandavam um balão para o ataque. Lá estava Valter, e atrás dele um zagueiro, e na frente dele outro zagueiro.

Qual o problema? Ele dominava a bola com naturalidade, escorava-se no adversário, esperava a chegada dos amigos, passava para o lado, ou contornava os zagueiros e ia em frente, ou tabelava, ou driblava, ou chutava de longe.

É um centroavante! Não há nada de mais valioso, num time de futebol, do que um centroavante. Valter está pronto para vestir a 9 do Inter agora, sem escalas.

Dêem-lhe a 9 já. Valter é Claudiomiro reencarnado, ainda que Claudiomiro continue vivo. Valter, Valter! Preste atenção: Valter!

Pensei que nunca mais veria um centroavante como Claudiomiro, e não é que surge um que não é senão o próprio Claudiomiro? É um mundo cheio de acontecimentos, esse mundo.

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