sábado, 26 de janeiro de 2008



27 de janeiro de 2008
N° 15492 - Moacyr Scliar


Os casais que caminham de mãos dadas

Dar a mão a alguém significa ajudar esta pessoa; é a expressão de um amparo que pode ser prático, mas é emocional também

Médico de saúde pública, costumo fazer aquilo que recomendo a outras pessoas: todos os dias me exercito, seja na ACM em Porto Alegre, seja no fitness room de hotéis (quase todos agora oferecem esta facilidade), seja simplesmente caminhando por ruas e parques, o que apresenta a vantagem adicional de conhecer lugares e observar pessoas. E, observando, nunca deixo de reparar nos casais que caminham de mãos dadas.

Um hábito que chama a atenção, porque estas pessoas renunciam ao movimento dos braços que em geral é parte da marcha - mas o fazem por boas razões, como já veremos. Mas primeiro é preciso dizer que, em outros países, sobretudo no sul da Ásia, não só casais andam de mãos dadas; homens também o fazem, é até um sinal de amizade.

Num encontro internacional de saúde pública passei por certo constrangimento quando, ao sairmos do prédio, um colega paquistanês quis caminhar de mãos dadas comigo, o que, para alguém vindo do Rio Grande do Sul, parecia no mínimo estranho. Aqui, se vemos pessoas da mãos dadas, certamente se trata de casais.

São, em geral, pessoas de meia- idade ou mesmo idosas. Aliás, é mais raro ver casais jovens caminhando juntos, o que é facilmente explicável: é uma fase em que homem e mulher têm compromissos separados, seja em casa, seja no trabalho; compatibilizar horários pode então ser uma coisa complicada.

Na fase da aposentadoria, dos filhos crescidos, há mais tempo disponível: marido e mulher podem viajar juntos, podem almoçar juntos e podem caminhar juntos. E, quando o fazem, é freqüentemente de mãos dadas.

Por quê? Por que caminham de mãos dadas, estes casais? A resposta mais óbvia é a de que assim estão se protegendo mutuamente. As ruas das cidades brasileiras freqüentemente são esburacadas e, a partir de certa idade, um buraco é mais do que um buraco, é uma armadilha, por causa do risco de quedas.

Os resultados de uma queda podem ser bem desagradáveis: a fratura de colo do fêmur é um espectro da maturidade. Na verdade, o colo do fêmur é nosso calcanhar de Aquiles, é um ponto de menor resistência. O fêmur é forte, reto, orgulhoso, como a coluna de um templo grego.

Mas ele não é parte de um templo grego, é parte de nosso corpo, e assim, de repente, precisa fazer uma inflexão para se encaixar na bacia.

Ora, súbitas inflexões, inesperadas mudanças de rumo têm seu preço; no caso, o colo do fêmur, que é sede de freqüentes fraturas. Por causa dessa possibilidade os casais se apóiam mutuamente.

Este é o lado prático de andar de mãos dadas. Mas há também o lado simbólico. A mão é o emblema de nossa humanidade. A mão transformou o troglodita do passado no Homo faber, o homem, e a mulher, que fazem coisas, que confeccionam objetos. A mão, porém, não é só um instrumento de trabalho, é um veículo de emoções.

Dar a mão a alguém significa ajudar esta pessoa; é a expressão de um amparo que pode ser prático mas é emocional também. Estou aqui, diz o homem à mulher cuja mão ele segura. Estou aqui, diz a mulher ao homem cuja mão ela segura.

"Se todas as pessoas do mundo/ quisessem se dar as mãos", como diz o famoso poema do francês Paul Fort, seríamos mais unidos, mais felizes. Seríamos mais humanos. E poderíamos rir dos muitos buracos que encontramos na vida.

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